Há muito tempo li
O Clube da Sorte e da Alegria,
best-seller de
Amy Tan. Lembrava-me de que tinha gostado muito. Voltei a encontrá-lo e a emocionar-me com o regresso ao passado: basicamente, o meu desejo era o de ser encontrado. E fui-o. Facto que me devia deixar em paz. De qualquer modo, todos os dias sinto que sou eu que preciso de me encontrar a mim mesmo.
YING YING ST. CLAIR
A DAMA DA LUA
Durante todos estes anos mantive a boca fechada para não deixar escapar nenhuma vontade egoísta. E porque me calei durante tanto tempo, agora a minha filha não me ouve. Senta-se à beira da sua piscina toda elegante e só tem ouvidos para o walkman da Sony, o telefone sem fio, o marido, enorme e todo emproado, que lhe pergunta por que é que vão fazer o churrasco com carvão e não com combustível líquido.
Durante todos estes anos mantive a minha verdadeira personalidade escondida, fugindo como uma sombra para que ninguém me apanhasse. E porque fui sempre tão discreta, agora a minha filha não me vê. Só vê a lista das coisas que é preciso comprar, a conta no banco que está a ficar sem saldo, o cinzeiro que não está bem centrado em cima da mesa.
Mas eu tenho de lhe dizer isto: estamos perdidas, nós as duas, invisíveis e cegas, sem ouvir e sem que ninguém nos oiça, sem que ninguém nos conheça verdadeiramente.
Não me perdi de repente. Ao longo dos anos, esfreguei a cara para a limpar da minha dor, como as marcas das pedras desaparecem com o vaivém das águas.
No entanto, lembro-me agora de a certa altura da minha vida ter corrido e gritado, de não poder ficar quieta. É a minha recordação mais antiga: quando fui pedir um desejo à Dama da Lua. E porque me esqueci do desejo que pedi, essa recordação permaneceu apagada durante todos estes anos. (p. 66)
Mas agora que já estou velha e, ano após ano, me aproximo cada vez mais do fim da minha vida, sinto-me também cada vez mais perto do princípio. E lembro-me de tudo o que aconteceu naquele dia, porque tudo voltou a acontecer muitas vezes ao longo da minha vida. A mesma inocência, a mesma confiança, a mesma inquietação; o deslumbramento, o medo, a solidão. Foi assim que me perdi.
Lembro-me de todas estas coisas. E esta noite, no décimo quinto dia da oitava lua, consigo lembrar-me também do que foi que pedi à Dama da Lua há tantos anos atrás. O meu desejo era ser encontrada. (p. 82)
Amy Tan »» O Clube da Sorte e da Alegria »» tradução de Ana Maria Chaves, Ana Gabriela Macedo e Maria de Graça Alves Pereira »» Lisboa »» Dom Quixote »» 1993