No silêncio da casa, escuto as paredes que me lembram como o ano passado foi um ano difícil. Provavelmente, o mais difícil na minha imberbe experiência docente. Talvez pela dificuldade, a entrega foi diferente até porque sempre joguei na defensiva e no resguardo dos sentimentos, técnica de salvaguarda. No ano passado, os acontecimentos propiciaram que fosse diferente e dei-me a oportunidade de deixar que os colegas chegassem à minha beira, lá está, porque os alunos e os contextos o permitiram. Afinal, até vou ter saudades deles; no entanto, este email é para vós e para confessar que é sobretudo de vós que vou sentir falta.
Não me peçam para vos visitar porque em princípio não o farei: custa-me demasiado o contexto: ver-vos, rever os alunos que foram meus e que me chamam professor mesmo já não o sendo, sentir que aquele espaço que durante um ano foi o meu já não o é (nunca foi, mas apropriei-me dele como pude para que o fosse), que aqueles professores já não são os meus colegas com quem deixarei de trocar desabafos, resultados e sensações de quase trauma.
No início, achei que não aguentaria, mas cheguei ao fim; contudo, se tal foi possível é porque vos tive como colegas. Ao fim de tanto tempo a acontecer-me o mesmo (todos os anos, escola, colegas e alunos diferentes), é com alguma satisfação que me vejo a integrar-me bem, embora muito tenha contribuído a vossa simpatia, o vosso acolhimento e os vossos sorrisos. Não sei se estive à altura dos acontecimentos (agora também já pouco interessa), mas tentei não desiludir nenhum de vós, ser profissional e responsável, e ainda poder contagiar-vos com o meu sorriso, uma máscara como qualquer outra (mas uma máscara sincera).Gostei demais de vos conhecer e de convosco me ter cruzado e partilhado 10 meses de trabalho. Apesar de ser só um professor de BOM, gostei muito de trabalhar convosco; perdoem-me a imodéstia, mas espero que tenha sido recíproco, e que, embora indelevelmente, vos tenha marcado. Ter saudades deve ser isto: acordar e saber que não vou ter convosco. Em todo o caso, continuamos todos por aqui e não me esquecerei de vós e, ao contrário dos sete anos lectivos anteriores, se a memória ameaçar falhar-me, tenho a poesia e o filme feito sobretudo para vós e, como bem perceberam, uma despedida comovida. Até poderei esquecer-me dos vossos nomes, mas nunca dos rostos e das experiências, de como foi um ano para mim tão intenso e cheio de antíteses e oximoros.
Votos de bom trabalho, muita paciência, os alunos exigem e precisam do melhor de vós (de nós) – a ministra não! –, sempre com o objectivo do sucesso, sempre no encalço da felicidade (noutro patamar, a avaliação do desempenho veio para semear justamente a infelicidade, mas isso é outra história). Nós vemo-nos por aí! Isto não é uma despedida!
[texto enviado num dos dias de Setembro a uma selecção de colegas da escola onde estive o ano passado. só acrescento que este também não é um ano lectivo fácil, não por causa dos alunos mas de uma ministra autista que inundou e inunda as escolas de burocracia e aparece na comunicação social a afirmar que a culpa é dos professores ou que só têm de preencher duas folhas. repito: autista! e mentirosa, é que ela sabe bem o que pede com as ordens que envia para as escolas. a falta de tempo seja para o que for já se nota e faz mossa na minha vida pessoal e não tenho horário completo.]
Li o post mas prefiro não o comentar (questões alheias), mas queiro deixar um grande abraço a estes dois meninos...
ResponderEliminarAbração grande
Miguel
Felizmente não sei o que isso é, o que é andar a "saltar" todos os anos de escola em escola. Quando fiz profissionalização, fiquei mais um ano na mesma escola, embora fosse relativamente longe de casa, para poder acompanhar uma turma até ao final do ciclo e, também, para poder estar com um conjunto de professores que gostava. Mas nessa altura podia-se fazer isso. Não fui caso único. Hoje tudo conduz a termos de nos "desprender" desses laços e andar como "máquina" para a frente...
ResponderEliminarÉ mesmo muito triste...
ResponderEliminarOh meu lindo, tive tantas saudades vossas...
Voltei a escrever no meu cantinho.
Ficarei à espera da vossa visita :)
Bjinhossss
A saudade é inerente a quem gosta... eu acho! Um beijão
ResponderEliminarBonito.... Por acaso, quando dei aulas, lá para os lados de Castro Daire, também senti o mesmo, mas já faz tanto tempo que só me lembro mesmo dos rostos e dos bons momentos.... sem Lurdinhas :)
ResponderEliminarAbraços
Oh Paulinho, infelizmente também sei o que é essa saudade. Mas feliz ou infelizmente (não sei), não a experienciei aqui em Portugal, no nosso "querido" sistema de ensino, mas em Liverpool, onde eu cheguei como uma completa estranha, e parti como se de lá nunca tivesse saído na vida. Enfim, é a vida, resta-nos lembrar os belíssimos momentos que vivemos e sorrir por isso :)
ResponderEliminarEmocionou-me o teu texto...
Grande beijo aos 2 Mijei
Li o seu texto e achei engraçado porque eu proprio, como aluno, vejo os meus professores, como melhores amigos, ponho-os num pedesta, inacreditavel, quando era mais novo nao consiga controlar - me e chorava e chorava e chorava porque nunca mais iria rever aquele professor .. agora imploro pelos contactos deles, para nunca perder os seus contactos. chego a criar laços muito fortes :x .. e este ano vai ser terrivel, acabo o 12ºano e vou 'abandonar' que ja conheco há 3 anos, só de pensar, já doi :x
ResponderEliminarÉ triste.
ResponderEliminarHouve sempre em mim aquele aperto de alma sempre que uma professora (porque é uma exclusividade feminina) de que gostava, me deixava.
No entanto, sempre fui advertido para o quão diferente era o "estar do outro lado".
Hoje, pouco tempo mais tarde, já sinto mais o pior que é para o professor: deixa um cargo que nunca seria seu mas que para isso lutou. Deixa turmas inteiras, colegas que poderá nunca mais ver.
E agora, prémio dos prémios: têm uma ministra fantástica que lhes impõe cargas horárias impensáveis, avaliações descabidas, burucracias inuteis, culpas e responsabilidades alheias, etc...
Não deixem de lutar. Um dia há que haver um feedback.
Stay well
Excelente selecção. Aqui há tempos vi na tv uma intervenção pública do comediante Bill Cosby, a falar muito a sério acerca da importância do ensino e da educação, e dos perigos do populismo nessa área, que em Portugal esá a ser levado ao paroxismo da estupidez.
ResponderEliminarEsta bruxinha antipática, de voz maviosa, de conluio com o chefão auto-fascinado, está a causar danos muito sérios no País.
Este texto do José Gil, para não fugir à regra, é excelente. Também o fotocopiei e passei aos colegas. Ainda há alguns seres pensantes em Portugal! Que refrescante!!!
ResponderEliminarO teu tributo aos colegas e alunos é lindo! Fiquei só um pouquito ciumenta, eh, eh, eh! Bjocas*