CAPRICÓRNIO
A luz metálica galga o empedrado da calçada
como a água da baldeação de um navio.
Intensa de mais, não deixa entender nada.
Quente de mais, faz frio.
Uma ferocidade sensual evapora-se da superfície da terra,
paira, coleante e perversa.
O dragão de escamas de oiro com as unhas desenterra
a ave negra, submersa.
Os seres e as coisas entoam o canto que não é seu,
o hino bárbaro da cavalgada sem sela.
E as cores do canto ondeiam e revoluteiam na tarde que incandesceu
e crivam de flores e golpes o silêncio da paisagem amarela.
Telhas, varandas, vidraças, tudo canta e quebranta.
As portas, os degraus, a cal dos prédios e o empedrado da calçada.
Numa janela aberta ao sol um sexo canta,
e o seu canto, no ar, é uma flecha embandeirada.
Na mais fingida calma
tudo adormece,
liquefeito e mole.
Ah! se agora chovesse!
Como a minha alma
(chamemos-lhe alma)
se encheria de sol! (pp. 125-6)
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