quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

..:: paulo post futurum* ::..

Simbolicamente, o fim e o início são excelentes para balanços e votos. Este ano, nem isso nos apetece fazer. Estamos cá, o que já não é mau. E estamos bem, o que ainda é menos mau. Olhando à volta, as coisas podiam estar bem pior. Aconteceram muitas coisas, grande parte delas nada positivas, mas como nem tempo há para pensar nisso, seguimos em frente.
Sem fogo de artifício, nem copos para brindar, só esperamos que possam fazer o mesmo: entrar bem, muito bem, em 2009, com votos de que o corpo não vos falhe! Isto é, que haja muita saúde, já que o resto vai-se conquistando. Dancem pela vida e FELIZ 2009!


Tiësto, Dance 4 Life


* o título desta entrada significa literalmente, em latim, um pouco depois do futuro e é usado para querer dizer eventualmente (pouco veio de paucu que é da mesma família de paulus e que também deu pobre - residual no superlativo absoluto sintético de pobre: paupérrimo).

domingo, 28 de dezembro de 2008

..:: artistas da semana ::.. do corpo [i]limitado

O ano passado falei do corpo dominado. Agora referir-me-ei a esse mesmo corpo a que apelidarei de (i)limitado/ torturado. Vem na sequência da entrada anterior e cumprindo a promessa que deixei no ar.
Com efeito, gosto de pensar (até para meu próprio auto-consolo) que consigo torcer as palavras a meu bel-prazer. Nem sempre funciona, mas, quando acontece, trata-se de um jogo relativamente inofensivo de que não saem feridos (como se as palavras não pudessem ser punhais) e desde que eu não resolva retaliar sobre ninguém (apesar de menos exposto, tenho dedo em riste e língua afiada).
Vem isto a propósito de umas senhoras e de uns senhores que resolveram utilizar o corpo como superfície ou suporte da sua intervenção artística. Dessa forma, tornam concomitantemente o seu corpo a obra de arte, num processo que também passa por torcê-lo, como se fosse maleável, em performances que nada têm de inofensivo ou incólume. Chama-se-lhe genericamente body art ou artes perfomativas, onde o corpo, como afirma Stelarc, não é tanto objecto de desejo, mas de design, uma estrutura-escultura.
Penso nesta arte como uma forma perigosa de tornar o mundo mais belo, embora nutra uma grande curiosidade pelos processos (inclusive de loucura) que podem e conseguem agir sobre alguém a ponto da perfuração, do corte, do sangue, da manipulação da dor e dos limites do corpo de forma próxima das experiências borderline. Este é o tipo de arte, muito autobiográfica portanto, na qual é mais forte a bíblica frase de Jesus: Hoc est enim corpus meum (se não se lembram: “Isto é o meu corpo”). A lista que se segue não é exaustiva nem nada que se lhe pareça; como há muito que não havia artista da semana, demorei-me mais do que esperava nos meus arquivos e eis uma selecção de artistas e obras em que o corpo do artista ou de outros é o centro da questão.

Aviso: nem sempre se trata de encenação, logo, e em grande parte, esta é uma arte para não impressionáveis. Depois digam que eu não avisei! (a ordem é a alfabética do nome do artista e todas as imagens podem ser vistas em maior)





«« Andres Serrano »»





«« Bob Flanagan »»




«« Carolee Schneemann »»





«« David Nebreda »»





«« Ernst Fischer »»





«« Franko B »»





«« Gina Pane »»





«« Günter Brus »»





«« Helena Almeida »»





«« Jenni Tapanila »»





«« Joel-Peter Witkin »»





«« Jürgen Klauke »»





«« Keith Boadwee »»




«« Loren Cameron »»





«« Marina Abramovic »»





«« Michel Groisman »»





«« Niko Raes »»





«« Orlan »»





«« Paul McCarthy »»





«« Ron Athey »»





«« Shirin Neshat »»





«« Simon Costin »»





«« Spencer Tunick »»





«« Stelarc »»





«« Stuart Brisley »»





sábado, 27 de dezembro de 2008

..:: citações extra-literárias i ::.. cara lh ama ::..

Por causa do estado aqui do zezinho de baixo, lembrei-me do poema que reproduzo e que é do covilhanense Ernesto Manuel de Melo e Castro (1932), pai da Eugénia Melo e Castro (já agora, a mãe é a Maria Alberta Menéres, conhecem?). O zezinho vai indo. Ainda me lembrei de ilustrar com Witkin ou com outros artistas plásticos, mas ainda estou na aldeia e esqueci-me do cabo de alimentação em Lisboa e o garoto que me tem emprestado o dele, veio cá pedi-lo... Mas hoje já regresso ao meu Zé. Portanto, cá vai ainda sem imagens; e façam uma boa leitura!

*****

Cara lh ama


amam-no todos
uns porque o têm
bem colocado e erecto
outros porque a foda
sem ele não bate certo

e se o nariz não chega
e os dedos se dispersam
só ele é que é capaz
de entrar todo na toda
discreto e bom rapaz

e os tristes que o não têm
amam-no doutra maneira
distantes e macios
não sabem se se vêm
ou se é só caganeira

p. 304


E. M. de Melo e Castro »» "Cara lh amas" (1975), in Trans(a)parências: Poesia I: 1950-1990 »» Tertúlia »» 1990

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

..:: provérbio ::..

Há um velho ditado árabe que diz:


واحدئيس الوزراء هو الحاكم الفعلي للبلاد . البرلمان الإسباني م

قسم الى مجلسين واحد للأعيان ( وعدد أعضاء يبل عين و واحد للنواب و عدد نتائج الانتخابات نائب . نتائج الانتخابات الأخير مباشرة من أصبحت الشعبسنوات، بينما كل سنوات، بينما يعين عنتخاباتضو من مجلس الأعيان و ينتخب الباقون من الشعب أيضاً. رئيس الوزراء و الوزراء يتم تعيينهم من قبل البرلمان اعتماداً على نتائج الانتخابات النيابية . أهم الأحزاب الإس أصمقسم الى مجلسين واحد للأعيان ( وعدد أعبحت الشعببانية يتم ماعية و تعيينهمللأعيان



Pensem nisto!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

..:: \\ post // ::..


Nunca tinha pensado muito nisso. Agora já está, já estou postectomizado. A albarda gigante caiu, mas não foi fácil aguentar um dia sem comer. E foi à segunda vez, ou seja, hoje.




Fui de manhã e às 19h já estava em casa, sozinho com a Victoria. Há cerca de um mês faltei ao trabalho para a cirurgia, mas às 4h30m da tarde mandaram-me embora por não terem nem tempo nem cama para mim. Hoje também não tinham cama, mas não me mandaram embora. É o costume: não informam de nada e eu a ver velhos a entrarem e saírem, clamando, gritando, ai Jesus, ai Jesus. Fui com a maior paciência possível e vim-me embora sem a alta para não me chatear com ninguém que não tenho paciência para gente que anda de um lado para outro e não me dava satisfações nenhumas.


[fotos do corredor/ túnel de acesso ao serviço]

E dói-me a gaita, pois claro que dói. Só não sei muito bem quando é ficarei operacional, mas amanhã tirarei o penso e logo constatarei o estrago.

domingo, 21 de dezembro de 2008

..:: do Natal ::..

O Natal é uma época estranha, daquelas que não consigo entranhar. Acontece-me. Mas este ano aconteceu-me mais forte já que uma certa e determinada neura somada ao calendário escolar fez com que não tenha personalizado nem selos, nem escrever postais de natal, nem comprar presentes. Ainda me sabe menos a Natal. E tudo há-de passar...


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

..:: fruta da época ::..

Underworld, Born Slippy (Paul Oakenfold remix, 2003)


Parágrafo único // Desculpem a ausência! E pouco mais temos a dizer que isso! Dias e dias em que tudo acontece ao contrário e a que se têm somado momentos de puro delírio luso. 900 entradas depois de termos começado timidamente, parece que ainda não é desta que o FJ pára. Mas só não pára porque há os leitores. Apesar de não haver novidades por aqui, de não comentar ninguém há séculos e séculos, as visitas continuam (ok, diminuíram, mas outra coisa não era de esperar). De facto, não podemos ignorar os amigos (mais ou menos) virtuais: os que descobri e os que nos descobriram, que chegaram e ficaram; os que têm ficado; os que chegaram depois e já se foram; os que já cá andavam e que também já se foram; os que perderam o ritmo e estão tão desanimados quanto nós; os que seguiram outros caminhos tão legítimos quantos os nossos. Há os de quem tenho muitas saudades. É a vida. Portanto, o FJ não pára, contudo, também não desaguará em nada muito efusivo, porque a falta de tempo, o excesso de trabalho (preparar 5 conteúdos bastante diferentes entre si não é pêra doce + o runrum da avaliação), a desmotivação e o cansaço não permitem mais. Peço desculpa, portanto. Mas ainda não é desta que dará para retribuir prémios, desafios, distinções, comentários e visitas. Ao fim e ao cabo, isto mais não é que a fruta da época. Dias mais quentes virão!



terça-feira, 18 de novembro de 2008

..:: pausa ::..


Con qué la lavaré, curta-metragem de animação de María Trénor, passou em 2004 no ainda Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa (8ª edição), mas só agora a vi e ouvi no Pé de Duende. Vale bem a pena!


Sinopse: «Um travesti regressa a casa ao amanhecer, depois do trabalho como prostituta nas ruas do Barrio Chino de Valência, e recorda a sua noite enquanto tira a maquilhagem e se despe. Esta curta-metragem de animação é um poema visual que homenageia os artistas homossexuais de culto do século XX, acompanhado de uma belíssima peça de música vocal do século XVI intitulada "Con Qué La Lavaré?", pertencente ao Cancioneiro do Duque de Calabria (1526-1554). As quatro vozes desta canção - soprano, contratenor, tenor e baixo - são interpretadas por personagens que representam diferentes realidades do mundo homossexual. O imaginário está centrado nos finais da década de 70, época da transição espanhola, depois da ditadura franquista, época que, para além de uma maior liberdade política, trouxe uma grande visibilidade às diferentes expressões sexuais. Esta curiosa mescla de épocas, o Renascimento e os anos 70, mostra-nos que os sentimentos e o desejo não se alteram com o passar do tempo.»

..:: mudando de assunto : no futuro será assim ::..

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

≈≈ vozes que se erguem ≈≈

Primeiro ouçam as declarações de Keith Olbermann* e "leiam" a emoção com que as profere:


* - Keith Olberman é um jornalista desportivo e comentador político americano.
[vídeo visto inicialmente aqui]



Depois, ouçam as declarações do Presidente da Câmara de San Diego. Reparem no que diz e na emoção com que o diz.

Ou estou muito enganado ou estes são dois Homens GRANDES.

[vídeo visto inicialmente aqui]

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

..:: carta a meus colegas sobre as saudades do futuro ::..

No silêncio da casa, escuto as paredes que me lembram como o ano passado foi um ano difícil. Provavelmente, o mais difícil na minha imberbe experiência docente. Talvez pela dificuldade, a entrega foi diferente até porque sempre joguei na defensiva e no resguardo dos sentimentos, técnica de salvaguarda. No ano passado, os acontecimentos propiciaram que fosse diferente e dei-me a oportunidade de deixar que os colegas chegassem à minha beira, lá está, porque os alunos e os contextos o permitiram. Afinal, até vou ter saudades deles; no entanto, este email é para vós e para confessar que é sobretudo de vós que vou sentir falta.
Não me peçam para vos visitar porque em princípio não o farei: custa-me demasiado o contexto: ver-vos, rever os alunos que foram meus e que me chamam professor mesmo já não o sendo, sentir que aquele espaço que durante um ano foi o meu já não o é (nunca foi, mas apropriei-me dele como pude para que o fosse), que aqueles professores já não são os meus colegas com quem deixarei de trocar desabafos, resultados e sensações de quase trauma.
No início, achei que não aguentaria, mas cheguei ao fim; contudo, se tal foi possível é porque vos tive como colegas. Ao fim de tanto tempo a acontecer-me o mesmo (todos os anos, escola, colegas e alunos diferentes), é com alguma satisfação que me vejo a integrar-me bem, embora muito tenha contribuído a vossa simpatia, o vosso acolhimento e os vossos sorrisos. Não sei se estive à altura dos acontecimentos (agora também já pouco interessa), mas tentei não desiludir nenhum de vós, ser profissional e responsável, e ainda poder contagiar-vos com o meu sorriso, uma máscara como qualquer outra (mas uma máscara sincera).
Gostei demais de vos conhecer e de convosco me ter cruzado e partilhado 10 meses de trabalho. Apesar de ser só um professor de BOM, gostei muito de trabalhar convosco; perdoem-me a imodéstia, mas espero que tenha sido recíproco, e que, embora indelevelmente, vos tenha marcado. Ter saudades deve ser isto: acordar e saber que não vou ter convosco. Em todo o caso, continuamos todos por aqui e não me esquecerei de vós e, ao contrário dos sete anos lectivos anteriores, se a memória ameaçar falhar-me, tenho a poesia e o filme feito sobretudo para vós e, como bem perceberam, uma despedida comovida. Até poderei esquecer-me dos vossos nomes, mas nunca dos rostos e das experiências, de como foi um ano para mim tão intenso e cheio de antíteses e oximoros.
Votos de bom trabalho, muita paciência, os alunos exigem e precisam do melhor de vós (de nós) – a ministra não! –, sempre com o objectivo do sucesso, sempre no encalço da felicidade (noutro patamar, a avaliação do desempenho veio para semear justamente a infelicidade, mas isso é outra história). Nós vemo-nos por aí! Isto não é uma despedida!

[texto enviado num dos dias de Setembro a uma selecção de colegas da escola onde estive o ano passado. só acrescento que este também não é um ano lectivo fácil, não por causa dos alunos mas de uma ministra autista que inundou e inunda as escolas de burocracia e aparece na comunicação social a afirmar que a culpa é dos professores ou que só têm de preencher duas folhas. repito: autista! e mentirosa, é que ela sabe bem o que pede com as ordens que envia para as escolas. a falta de tempo seja para o que for já se nota e faz mossa na minha vida pessoal e não tenho horário completo.]



[visto inicialmente aqui]




quarta-feira, 12 de novembro de 2008

..:: palavras que nos salvam ::.. Amy Tan

Há muito tempo li O Clube da Sorte e da Alegria, best-seller de Amy Tan. Lembrava-me de que tinha gostado muito. Voltei a encontrá-lo e a emocionar-me com o regresso ao passado: basicamente, o meu desejo era o de ser encontrado. E fui-o. Facto que me devia deixar em paz. De qualquer modo, todos os dias sinto que sou eu que preciso de me encontrar a mim mesmo.




YING YING ST. CLAIR
A DAMA DA LUA

Durante todos estes anos mantive a boca fechada para não deixar escapar nenhuma vontade egoísta. E porque me calei durante tanto tempo, agora a minha filha não me ouve. Senta-se à beira da sua piscina toda elegante e só tem ouvidos para o walkman da Sony, o telefone sem fio, o marido, enorme e todo emproado, que lhe pergunta por que é que vão fazer o churrasco com carvão e não com combustível líquido.
Durante todos estes anos mantive a minha verdadeira personalidade escondida, fugindo como uma sombra para que ninguém me apanhasse. E porque fui sempre tão discreta, agora a minha filha não me vê. Só vê a lista das coisas que é preciso comprar, a conta no banco que está a ficar sem saldo, o cinzeiro que não está bem centrado em cima da mesa.
Mas eu tenho de lhe dizer isto: estamos perdidas, nós as duas, invisíveis e cegas, sem ouvir e sem que ninguém nos oiça, sem que ninguém nos conheça verdadeiramente.

Não me perdi de repente. Ao longo dos anos, esfreguei a cara para a limpar da minha dor, como as marcas das pedras desaparecem com o vaivém das águas.
No entanto, lembro-me agora de a certa altura da minha vida ter corrido e gritado, de não poder ficar quieta. É a minha recordação mais antiga: quando fui pedir um desejo à Dama da Lua. E porque me esqueci do desejo que pedi, essa recordação permaneceu apagada durante todos estes anos. (p. 66)


Mas agora que já estou velha e, ano após ano, me aproximo cada vez mais do fim da minha vida, sinto-me também cada vez mais perto do princípio. E lembro-me de tudo o que aconteceu naquele dia, porque tudo voltou a acontecer muitas vezes ao longo da minha vida. A mesma inocência, a mesma confiança, a mesma inquietação; o deslumbramento, o medo, a solidão. Foi assim que me perdi.
Lembro-me de todas estas coisas. E esta noite, no décimo quinto dia da oitava lua, consigo lembrar-me também do que foi que pedi à Dama da Lua há tantos anos atrás. O meu desejo era ser encontrada. (p. 82)


Amy Tan »» O Clube da Sorte e da Alegria »» tradução de Ana Maria Chaves, Ana Gabriela Macedo e Maria de Graça Alves Pereira »» Lisboa »» Dom Quixote »» 1993

domingo, 9 de novembro de 2008

..:: não ouvi bem, importa-se de repetir, s.f.f.? ::..

Maria José Nogueira Pinto ataca: «coitadinhos dos velhotes». Era para rir? Mas só ouvindo! Lendo nem dá para acreditar!


«... dar 80 euros a um idoso é um ultraje, é um insulto. Em vez de dar os serviços que eles precisam, seja o apoio domiciliário, seja o Lar ou o Centro de Dia, isso é que eles precisam. Eles não precisam de 80 euros para ir beber cervejas, para ir comer doces que são diabéticos e ficam doentes, para serem roubados pelos filhos...» [cf.]

≈≈ é um artista ≈≈

Trata-se de um rapazinho canadiano de 21 anos, Corey Vidal, que presta aqui homenagem ao trabalho do compositor John Williams para o cinema. Ora vejam (e ouçam!):


sábado, 8 de novembro de 2008

≈≈ não faltará muito... ≈≈



Com jeito, vai! Hoje a senhora autista já admitiu que uma manifestação desta dimensão assusta Alinhar ao centroqualquer um. Pois, eu sempre ouvi dizer que quem tem cu tem medo. Todavia, reconheço-lhe o mérito de ter feito mais para unir a Classe dos Professores do que qualquer outr@ ministr@ antes.
Foi, outra vez, uma tarde inesquecível. Senti-me novamente a fazer História e comovi-me (ah pois comovi) com o "ensurdecedor" minuto de silêncio. Parabéns, Professor@s, a "coisa" já treme!

..:: e esta? ::..



bem, ESTA tem de CAIR e ESCACAR-SE TODA com as suas REFORMAS!



FANTÁSTICO: acabei de ouvir que a polícia recebeu instruções para não divulgar o número de participantes na manifestação de hoje! É por estas e por outras que eu gosto tanto desta democracia! Restam dúvidas?


[obrigado, Tongzhi, pela ilustração tão adequada ao momento]

sábado, 1 de novembro de 2008

..:: palavras que nos salvam ::.. Ana Luísa Amaral

[músicas: 1# Sigur Rós, Samskeyti || 2# Yann Tiersen, Summer 78 - Goodbye Lenin]



UMA BOTÂNICA DA PAZ: VISITAÇÃO


Tenho uma flor
de que não sei o nome

Na varanda,
em perfume comum
de outros aromas:
hibisco, uma roseira,
um pé de lúcia-lima

Mas esses são prodígios
para outra manhã:
é que esta flor
gerou folhas de verde
assombramento,
minúsculas e leves

Não a ameaçam bombas
nem românticos ventos,
nem mísseis, ou tornados,
nem ela sabe, embora esteja perto,
do sal em desavesso
que o mar traz

E o céu azul de Outono
a fingir Verão
é, para ela, bênção,
como a pequena água
que lhe dou

Deve ser isto
uma espécie da paz:

um segredo botânico
da luz (pp. 67-8)




Ana Luísa Amaral »» Entre Dois Rios e Outras Noites »» Porto »» Campo das Letras »» 2007

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

..:: pelo ambiente ::..

Onze animações bem-humoradas alertando para a importância de poupar o planeta. Está demais e têm mesmo de ver. E descobri agora: estão todos no youtube!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

..:: batalha de tribos ::..

Aparentemente ausentes, esta é a primeira verdade. O Zé com trabalho pelas barbas; e eu? Mais do mesmo. Na entrada vaᵶᴉo, estava oculto o fim dos fogos de artifício para mim/ por mim. E esta é a segunda verdade, mas tenho saudades disto. De vós. De vir aqui. De vos visitar. De mim. Mas não há tempo: uma burocracia estúpida e estéril chamada avaliação do desempenho docente engole-me por completo. Delírio puro. Que seja: adoro fazer o estágio novamente e perder tempo com papelada inútil; os alunos que se lixem, à partida vão passar todos excepto 4 - eis o limite da estupidez: 4 (serão menos em turmas mais pequenas). A partir daqui é só sucesso e viva a ignorância.
Se eu desaparecer, não se admirem: valores mais altos se levantam. Sinto-me assim: alien numa batalha de tribos (já agora, e espero estar certo, alien, alienígena, alienado e outras palavras com alien- vêm do latim alius, alia, alium, i.e., o outro de entre muitos / o outro de entre dois é alter, altera, altrum). Ministério dum lado, sindicatos de outro e, por fim, os professores. Lurdinhas, alien suprema, pelo menos, tens conseguido pôr estas tribos num estado de nervos inaudito. Não sei porquê, e apesar de nada de novo, não estou a gostar.


Blasted Mechanism, Battle of Tribes

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

≈≈ e não era a gozar! ≈≈

Esta é uma daquelas que achamos que só pode ser anedota e que nunca vai acontecer connosco.
Trabalhando numa empresa cuja actividade se encontra espalhada praticamente por todo o país, no outro dia atendi uma chamada que me fez ir às lágrimas.

A minha interlocutora explicou o que pretendia e eu, para lhe poder responder, perguntei:
- E está a ligar-me de onde?
- Daqui... da cabine!
- ... Sim, mas de onde? - Consegui balbuciar entre gargalhadas contidas à custa de um esforço titânico.
- Aqui de Portugal.
- Só um momento, por favor!

Nem preciso de contar o que se seguiu, certo?

domingo, 12 de outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

..:: ad rem ::..

O latim é uma língua riquíssima, mas morta (o Vaticano já não conta), embora capaz de fazer alterar a forma de raciocínio de tão complexa que é. Em tons de gozo comedido, dizíamos que para uma regra havia dúzias de excepções e excepções às excepções, pois raras são as regras que não têm excepções (e quando apareciam, apetecia fazer uma festa). Claro que nem toda a gente romana falava ou percebia o latim clássico (literário), usavam, sim, o latim vulgar do qual nos chegou a maior parte do nosso vocabulário (aproximadamente 80%, e o inglês tem quase tantas palavras de latim quanto das Langues d'oïl e só depois do germânico, graças às constantes investidas normandas sobre os anglos e saxões).

Pois bem, um absurdo: coisa.
Coisa em latim diz-se res, rei (res publica, de onde vem república, significa literalmente «a coisa pública»). Ensinou-nos o professor de latim (que era padre), ainda no secundário em Castelo Branco, que mandar «alguém ad rem» é mandar esse mesmo alguém para a coisa. Faz sentido. Agora, leiam a expressão latina ao contrário, invertendo a ordem das letras. Faz mais sentido ainda. Oportunamente, lembrei-me da expressão e apetece-me lançar uma pergunta retórica: senhores deputados da nação defensores da moral e que não vislumbram oportunidade oportunismo para diluir uma injustiça social, e se fossem todos ad rem? Que tal, hein? Provavelmente, ainda é pouco perante esta notícia tão auspiciosa...

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

..:: uma visão muito ₥ṅᵷⱥ da realidade ::..

O texto que se segue não é meu, mas da nossa querida Monga, heterossexual orgulhosa e que nos conhece bem. Tenho-me lembrado dela e deste texto a roçar o humorístico que, posso dizer, nos foi "oferecido" por causa desta entrada (respondendo a cada uma das alíneas). O texto é longo; quis truncar algumas partes, mas acho que não, segue inteirinho mesmo que, entretanto, eu tenha vindo a perder o humor. Espero que tenham paciência para ele e reconheçam o mérito da Monga.
Agora, mongo, mas muito mongo mesmo, espantem-se, é este texto de opinião que o C reproduziu (só lendo... doutra forma ninguém acredita - cf. ainda a resposta de Manuel António Pina). Pelos vistos, já não bastava este... raispartam estas alimárias (e tenho que confessar - a um padre, já agora - como e quanto adoro esta palavra).



A homossexualidade

Tema sempre quente em debate, a homossexualidade já não espanta ninguém (excepto a minha avó), todavia a grande maioria das pessoas, pelo menos em Portugal, sobretudo aquelas que se dizem «abertas» a tudo, aceitando as semelhanças e diferenças, defendem muito pouco os direitos dos homossexuais. Sim, porque homossexualidade é uma coisa, direitos dos homossexuais é outra muito diferente, e até aquelas pessoas que sacodem o capote, que são as que dizem «o que os outros fazem e gostam não me diz respeito» (como se isso fosse possível…) não sabem bem com que linhas se cosem as reivindicações dos homossexuais.

Antes de mais, para aceitar o diferente como igual é preciso ser-se inteligente. E a seguir corajoso.
Se estudarmos a história do mundo, das mentalidades, a homossexualidade sempre existiu (a minha avó garante a pés juntos que no tempo do Salazar não havia homossexuais). Há no entanto que distinguir que mesmo aqueles que aceitam isto como um dado adquirido são patetas ao ponto de neglicenciarem os direitos dos homossexuais como um assunto a pôr na mesa. Sim, uma coisa é dizermos que nada temos a ver com os hábitos sexuais do vizinho, outra é dizermos que o vizinho tem os mesmos direitos que nós.
Como sempre, os mitos sobre a homossexualidade obedecem a uma visão estreita, dogmática, às vezes muito parva. É como falar das outras raças, da cor da pele ou dos direitos da mulher. Tudo muito bonito até ao dia em que se exige que as coisas passem para o papel. É ver os tipos e tipas que aceitam a diferença a reclamar.
Vamos aos mitos, visto que ando numa de listagens:

1) A homossexualidade é uma doença.
Em primeiro lugar, qual será a pertinência da questão? Se fosse uma doença, a pessoa tornar-se-ia menos digna? Em segundo, não há de facto provas de que o seja. Imensas espécies animais praticam a homossexualidade. Se Deus é perfeito certamente não terá criado essas espécies por «erro». Mas já vamos à religião…

2) Os homossexuais são pervertidos e poligâmicos.
Vamos lá… os heteros não ficam atrás, pois não? No outro dia vi um programa sobre sado-masoquismo que me deixou maldisposta. Um velho gordo pagava a duas mamalhudas para lhe porem um açaime e o colocarem numa casota de cão. O velho ladrava, obedecia, era queimado com velas, entre outros rituais perversos, como lhe cuspirem na boca. Bastou-me para perceber que cada um tem os seus hábitos e alguns são bastante estúpidos. Outros são indignos porque violam o bem-estar das outras pessoas (como apalpar senhoras no autocarro ou metro).
A questão da poligamia até me dá calafrios. Os números indicam que, nos casamentos heteros, os pares de cornos proliferam. Como diria uma amiga minha, monogamia na teoria, poligamia na prática.

3) Legalizar o casamento homossexual é desvirtuar a validade do casamento heterossexual.
Agora os heteros deram em palhaços invejosos. Ai que os gays querem direitos e estragam os nossos casamentos! Este é um argumento filho-da-puta. Como se o casamento hetero não fosse uma instituição falida, fora de moda, completamente acabada. Deixem lá os homossexuais tentarem fazer melhor, já que nós, os heteros casadoiros, não fomos capaz.


4) Os homossexuais são pedófilos (não podem, por isso, adoptar).
Toda a gente sabe que uma grande fatia dos pedófilos são homossexuais que nunca se assumiram como tal e fingem que são heteros. A outra parte compõe-se de heterossexuais (casados ou não) perversos que se estimulam sexualmente com crianças. Isso é doença. Molestar seja quem for é sempre doença.

5) Uma criança precisa de um modelo masculino e outra feminino para ser saudável.
Sim, houve teorias que disseram isso, algumas freudianas. Pai e mãe são também modelos afectivos e sexuais. Mas quando alguém não tem um deles, que faz? Enlouquece? Considera-se amputado, do ponto de vista afectivo e sexual, para sempre? Não creio. Qualquer pessoa, quando não tem um modelo em casa, procura fora de casa. Já agora era muito bom que questionássemos que nem sempre pai e mãe são bons modelos. Às vezes uma das partes (ou ambas) carregam um belo par de cornos e ninguém vem questionar se isso é bom ou mau para as crianças…

6) Os gays vão estimular na criança um comportamento homossexual.
Amei! Agora ser gay é pertencer a uma seita divina! Se eu, papá, sou gay, ele, filho, tem de ser gay! Entendo porque se diz isto, é fácil perceber. Os heteros desde sempre que estimularam na criança comportamentos heteros, alguns bem estúpidos. Carrinhos para os meninos, bonecas para as meninas. Perguntar onde está a pilinha. Perguntar quem é a tua namorada ou o teu namorado? Incitar a criança a responder quantas namoradas/namorados tem, etc. Mas nunca vi um gay dizer a uma criança «quando cresceres vais ser igual a mim, gostar de pilinhas, brincar com elas». Já agora porque é que um gay, sabendo que faz parte de uma minoria, gostaria que um filho fizesse parte da mesma minoria, sofrendo discriminações constantes e dificuldades? Agora ser gay é ser cruel, não? Só nos faltava mais esta…

7) A Igreja não concorda com a homossexualidade.
É um facto. Agora a Igreja tem pena, já não discrimina, só tem compaixão e anda cheia de perdão. Coitadinho do gay… Como coitadinhos dos pobres, das putas, dos drogados, etc. Para a Igreja mais vale contrariar o que somos e fingir o que não somos, sob a capa de um casamento hetero falsificado. Mentir e ser um impostor já pode ser. Ser gay é que não.

8) O casamento hetero é válido porque se destina à reprodução, ao contrário da união homossexual.
Numa época em que, devido ao stress, à alimentação, às doenças, a fertilidade tem decrescido em larga escala, este argumento é uma patacoada. Nem todos os casais hetero querem filhos, já agora. Outros querem e não os podem ter. Portanto, esses casamentos são o quê? Falsos porque não há filhos? Olha que treta! Este argumento reduz a união homem-mulher a um único objectivo: procriar. E reduz a união homossexual a um outro objectivo: sexo.


9) Legalizar o casamento gay estimula comportamentos homossexuais.
Adoro! Olha as gajas cheias de medo que os seus gajos dêem em bichas! «Maria, o meu amigo Manuel casou-se com o Jacinto. Também quero! Vou tornar-me gay!». Mas isto é verosímil? Mais uma vez estamos a balizar as coisas pelo ponto de vista hetero, neste caso feminino, que é o de «se as minhas amigas casam, eu também quero casar!». E depois dá asneira da grossa. Agora nunca ouvi «se ele é gay também quero ser». Parece o clube do tupperware!


10) Os gays têm comportamentos show-off, femininos, exuberantes.
É uma ideia que ainda prevalece das paradas gay, de alguns gays mais berrantes, os ditos «maricas». Mas se formos comparar, anda muito hetero por aí igual ou pior, e não adoptam, pasme-se!, têm mesmo filhos e ninguém os proíbe de se reproduzirem!


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

..:: palavras que nos inquietam ::.. Bertolt Brecht

Já quase todos ouviram citar Brecht a propósito do rio e das margens. Nas voltas dos livros, reencontrei-o e aqui vai, seguido de um poema perturbador de tão irónico.


DA VIOLÊNCIA

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas
As margens que o comprimem. (p. 71)













EPÍSTOLA SOBRE O SUICÍDIO

Suicidar-se
É coisa corriqueira.

Pode-se falar nisso à mulher a dias
Discutir com um amigo os prós e os contras.
Há que evitar um
Certo pathos simpático.
Mas não é preciso fazer disto um dogma.
No entanto, parece-me preferível
O pequeno bluff do costume.
Estar farto de mudar de roupa, ou melhor:
A mulher pôr-lhos
(O que faz um certo efeito aos que se impressionam com essas coisas
E não é demasiado bombástico).
De qualquer modo
Não se deve dar a impressão
De que se dava
Muita importância a si mesmo. (p. 53)


Bertolt Brecht »» in Poemas »» tradução, selecção, estudos e notas de Arnaldo Saraiva »» Lisboa »» Presença »» 1973

terça-feira, 7 de outubro de 2008

..:: pensamҽnto do dia ::..

O que não me apetece nada, mesmo nada:






[p.s.: a cama é demasiado larga só para mim e,
mesmo queixando-me do calor, sinto muito a tua falta]

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

..:: estão mesmo a pedi-las! ::..

Pensei: acho que não vou enviar. Não ia. Acabei de ler esta entrada desta amiga e veio-me uma azia logo pela manhã que nem vos conto. Ah, estão mesmo a pedi-las. Deu-me uma coisa e cá vai alho!


Ex.mos senhores deputados,

Depois de no passado dia 2 de Outubro, em que a Direcção Nacional do PS impôs a todas e todos os deputados disciplina de voto, vimos pedir:

No dia 10 de Outubro, por favor, tenham o mínimo de respeito por tod@s, lésbicas e gays, e não votem: Saiam da sala no momento das votações!

Seria um simples gesto que faria toda a diferença no “Erro Político” que o PS já cometeu. Obrigado.

O PS impede a liberdade de voto.
O PS impede a cidadania plena.

Motivos de “agenda” e “astúcia” de outros partidos nunca se deveriam sobrepor à LIBERDADE e à IGUALDADE na lei! Mas também porque motivos de consciência não devem nunca ser evocados. Porque a cidadania plena e igual na lei não pode nem deve passar por consciências alheias à vontade dos próprios interessados.

Melhores cumprimentos,



Agora, vou ficar à espera de uma resposta igualmente edificante e iluminada de discernimento. E são eles senhores deputados da nação (assim mesmo, minúscul@s). Representam-nos, pois que sim. Quem diria? Dirão: representam os seus interesses. E os do povo? Dúvidas? Homossexuais não são povo, aposto! Mas até a canção diz "também sou teu povo, Senhor..." Bem, talvez não!

sábado, 4 de outubro de 2008

..:: poᴉs não! ::..

O DN de hoje apresenta um dossier sobre o casamento entre homossexuais. Na edição online é possível aceder aos textos «Não vejo nada de fracturante em mim» de Fernanda Câncio e «Não podemos esperar que a sociedade mude» assinado por Alexandra Carreira. Com testemunhos vários, entre eles, os de Sara Martinho, Eduardo Pitta, António Serzedelo e Eduarda Ferreira.

Vale a pena conferir na edição impressa/ passar pelo dois artigos disponibilizados online!


Pois, nós não vemos mesmo nada de fracturante em nós! Ah, pois não!


Podemos esperar?

NÃO,

NÃO PODEMOS!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

..:: júnior ::..

A revista brasileira JUNIOR comemora neste mês o seu primeiro aniversário com a sétima edição que chega hoje às bancas. Aqui estão quatro fotografias exclusivas tiradas nas dunas de Cabo Frio que fazem parte do editorial Homens de Areia, com quatro dos modelos brasileiros mais bonitos (Lucas Malvacini, Felipe Torreta, Bernardo e Felipe Anibal). As fotos são de Didio. Parabéns à JUNIOR e obrigado pela distinção.






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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

..:: humanos ::..

Há textos que por um ou outro motivo nos marcam. Não sou o único a chamar-lhes fundadores, aqui, no entanto, não fundam uma estética, mas a personalidade. Como espaço de partilha que é um blogue, e princípio máximo da minha «missão», continuarei a partilhar aqui mais alguns desses textos. Tal é o caso do de hoje; reencontrei-o nas arrumações do verão e repesco-o: já tem oito anos, saiu numa revista um tanto ou quanto obscura - Plástica (só conheci o primeiro número) e desconheço se foi publicado noutro local. Marcou-me, como antes me marcou a «Lição sobre a Água» de Gedeão, pelo cruzamento entre ciência e metáfora, com uma forte incidência do que é ser-se ser humano, na senda ingente de auto-conhecimento e do lugar que ocupamos no mundo, vincando como não somos apenas corpo, nem apenas espírito. Somos uma unidade viva que equilibra esses pólos que séculos e séculos de racionalismo judaico-cristão fizerem questão em separar, cujos fundamentos radicam directa ou indirectamente na subalternização do mundo sensível e concreto postulados por Platão, valorizando o que a nossa linguagem designou como espírito. A verdade é que, antes de seja o que for, somos corpo, existimos porque as nossas células «trabalham de uníssono» (as questões do corpo ficarão para outra oportunidade).


HUMANOS

– «Porque é que o amas, quando todo o mundo o odeia?»
– «Porque ele me ama mais do que todo o mundo.»

Eduardo II, Derek Jarman, 1992


Quarenta a setenta milhões de biliões de células (das quais 100 milhões são substituídas em cada momento) trabalham de uníssono, mantendo cada uma em cada segundo milhares de reacções químicas. Os seus núcleos organizam e comandam. Herdados dos progenitores, os seus 50.000 genes (em 23 pares de cromossomas) codificam a estrutura e a função de mais de 800 tipos de tecidos, formando os humanos.
Estes seres complexos relacionando-se entre si através de um notável computador, o sistema nervoso, com cerca de 100 biliões de neurónios, pequenas unidades, cada uma relacionada com 20.000 outras, num total de 2 milhões de biliões de ligações que descodificam, processam e memorizam as informações.
Como muitos outros seres, para além, deste sistema nervoso, os humanos têm um sistema digestivo limitado por uma boca e um ânus, através do qual passa em média mais de 1 kg de nutrientes por dia, que são degradados e distribuídos por todas as células do organismo, e um sistema excretor com rins igualmente complexos, como estação de depuração com cerca de 300 m2 para filtrar as impurezas do plasma. Outro importante filtro é o que se encontra nos 550 milhões de alvéolos envoltos em capilares, onde se processam as trocas gasosas entre o sangue e o ar envolvente, entrando o oxigénio tão essencial para a elaboração de energia e síntese das moléculas vitais.
Por fim, cerca de 4,5 metros quadrados de pele envolvem os 450 pares de músculos motores ligados através de uma estrutura óssea que lhe confere a necessária solidez para o movimento.
Estes são os humanos, cerca de 6 biliões bastante mal distribuídos pelo planeta Terra, capazes de se reproduzirem por via sexual, fabricando células com metade do número de cromossomas para que, através da fecundação, se reconstitua um novo lote duplo, num novo ser.
Então, perdida numa floresta hostil, a criança, projecto de futuro humano adulto, sai indefesa para um mundo frio. Vive o calor da relação com a mãe, e mais tarde a sua aproximação ao outro.
Mas, como viver na tensão entre o ilimitado das possibilidades deste ser, confrontando-se a todo o momento com a realidade do que é verdadeiramente alcançável? O humano vive assim a angústia de se sentir enjaulado em si próprio, escravo das suas acções, deprimido para se lembrar a cada instante que continua humano, enraizado no labirinto dos seus significados e tentando a todo o custo ligar-se a objectos ou rituais externos na perspectiva de conquistar a liberdade. Assim encontra o amor, forma de relacionamento para a vida que renasce sem cessar.
Curiosamente os humanos mantêm na sua fase de sexualidade activa, a capacidade da atracção e do desejo sexual em permanência, o que não acontece com outros animais, mesmo mais próximos na árvore da evolução. Mas, a essa capacidade juntou-lhe as novas faculdades do seu neocórtex cerebral: a realização de operações abstractas, de categorização, de utilização de palavra, tornou-se capaz de exprimir as suas emoções e de sentir as dos outros. A sexualidade deixou de ser apenas condicionada por hormonas e pulsões, passando a ser constituída à medida dos prazeres e sofrimentos vividos desde a infância.
O humano deprime-se, envolve-se em dependências, mas consegue suplantar o seu destino pelos dados computarizados do seu imaginário, tornando-se senhor dos seus desejos, e aproximando-se, dando-se verdadeiramente aos outros pelas representações que elabora no fascínio magnético de todos os seres amados, na descoberta pessoal da verdade contaminante do outro.

[sublinhados meus]


António Pais Lacerda »» "Humanos (The humans)", Plástica »» direcção de Paulo Valente Pereira »» Lisboa »» Plesmedia »» n.º 1, Dez. – Jan., 1999-2000.