quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

de facto, acabou-se a questão

Não faço disso o meu cavalo de batalha, mas sou absolutamente a favor do acordo ortográfico.
Por vários motivos. O principal prende-se mesmo com a posição estratégica que uma língua pode ter - a língua que não é de ninguém mas tão somente de todos os que a falam. É isso que está a acontecer com o português. O espanhol conseguiu há pouco tempo um acordo absolutamente estratégico: uma gramática comum a todos os territórios que falam a língua; nós ainda continuamos a negociar migalhas. Sim, que o acordo não mexe em mais do que migalhas: a ortografia é só um aspeto de uma língua, por sinal, um dos mais artificiais e mutáveis.
Qualquer pessoa que tenha estudado um pouco de uma língua sabe disso. Há quem não queira mudar por opção e convicção. Mas, em geral, as pessoas são preguiçosas e habituaram-se a ler Camões com a ortografia atualizada; as pessoas são preguiçosas e habituaram-se a ler Pessoa
com a ortografia atualizada; as pessoas são preguiçosas e já nem se lembram dos acentos graves que pululavam em tudo o que era advérbio formado com o sufixo -mente e cujo adjetivo era acentuado. Por exemplo. As pessoas são preguiçosas e habituaram-se a aprender que é assim e não assado porque houve uma convenção. As pessoas são preguiçosas e nem se lembram que há um século não havia nenhum acordo ortográfico, nenhuma norma estipulada que lhes dissesse que era correto fotografico, fotográfico, fotographico, fotográphico. Porque era, basicamente, ao gosto do freguês que podia ser mais ou menos fiel à etimologia.
As pessoas agarram-se, às vezes quase desesperadamente, à origem. Sim, claro. Por causa da origem, lembro-me sempre do italiano, dessa língua à beira da extinção porque nenhum italiano sabe onde acentuar as palavras que em italiano não têm acentos, não têm "c" mudos ou, pasme-se, nem agás em início de palavra. Que pecado capital:
uomo, esitate... Mas, claro, ninguém se lembra do italiano que nem é ainda a língua mais próxima do latim.
No latim está a origem afinal de cerca de 80% dos vocábulos da língua portuguesa que foi enriquecida nos outros 20% com palavras de outras línguas (noutras zonas geográficas a percentagem será maior, com certeza). Nós não nos ficámos pelo latim, fomos muito mais
longe. E quem é que se lembra que óculo e olho têm origem na mesma palavra latina? Ou cátedra e cadeira. Ou mácula e mancha. Ou areia e arena. Et caetera. Só que umas palavras chegaram-nos pela voz do povo e, logo, mais alteradas, distantes da origem.
Portanto, acalmem-se: se a língua não evaporou antes, também não evaporará depois, assim continuemos a perceber melhor alguns galegos que determinados dialetos açorianos; assim atualizem corretores ortográficos; assim continuemos a corrigir alunos que por ignorância pura não distinguem
-ão de -am, entre muitos outros erros que se reproduzem nos discursos mais sublimes e mais abjetos da nossa vida nacional - os blogues não são alheios a tal fenómeno, obviamente!
De facto, para mim, acabou-se a questão e esforçar-me-ei por pôr o acordo em prática. Acham que falta alguma coisa, é? Ná! Essa sensação de desconforto passará depressa. Não nos esqueçamos que a língua, fator de união (inter)nacional, é muito mais do que nós. Muito mais extensa do que esta «ocidental praia lusitana» [ou deverei registar «Occidental praya Lusitana»?].




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Apêndice

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Grammatica da lingua portuguesa de João de Barros, 1540 (a primeira gramática do português)

7 comentários:

  1. Ora que belo texto que aqui leio (para não variar). Eu, tal como tu, estou de acordo com algo que é inevitável. Como costumo dizer aos meus alunos e alguns amigos que se mostram contra este novo acordo: eu quero é que a minha língua (sobre)viva e, ao contrário do que muita gente possa pensa, a língua -tal como a vida - é mutável, evolutiva, metamorfoseia-se. Com nós, como tudo.
    Creio ainda que daqui a uns 4 ou 5 anos os que agora se manifestam contra já nem se lembrarão como escreviam agora.
    Beijos mil aos meus dois lindos.

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  2. concordo em pleno. a polémica, a meu ver, é irrelevante. é uma reacção primária do ser humano à mudança.

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  3. Que bom! Finalmente encontro alguém na blogosfera que é a favor do Acordo Ortográfico. Eu sou um defensor acérrimo e, tal como tu, não faço disto o meu "cavalo de batalha", mas sempre que posso defendo o A.O. de ataques despropositados.
    O conservadorismo linguístico que existe em algumas camadas da sociedade portuguesa deixa-me perplexo. Muitas pessoas esquecem-se, porém, que a língua é um organismo vivo e mutável, sujeito a alterações constantes. A grande reforma de 1911 foi feita e hoje, que eu saiba, ninguém se queixa dela. A não ter existido, hoje escreveríamos algo como "pharmacia", "lyrio", etc. Para quê tamanho alarido? Pensarão os opositores que falamos o mesmo português desde que este existe como língua autónoma?...
    O A.O. é essencial para a sobrevivência da Língua Portuguesa e para a sua urgente unificação.

    lots of love ^^

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  4. Concordo plenamente contigo, embora faça uma mea culpa: por preguiça ainda não me informei acerca de todas as alterações... :$
    A polémica contra o Acordo deve-se mais a preconceitos nacionaleiros do que propriamente a razões linguísticas. É que, apesar da uniformização ortográfica, o português falado cá continuará a ser diferente do falado nos PALOP e no Brasil, tal como acontece no francês e no inglês. Logo, há que não ter medo da mudança.

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  5. Eu tinha deixado aqui um comentário, que não aparece...
    Possivelmente, esqueci-me de o validar; mas não tem importância; era apenas para referir que era o único comentário contra o acordo ortográfico...
    Abraços.

    Este vou validar, de certeza!

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  6. Concordo contigo ;).

    Mas tenho a dizer que foi bastante complicado ler o teu post. Letras brancas em fundo preto ninguém merece :(. Digo em tom de sugestão claro, sei que ninguém me obrigou a fazê-lo.

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  7. bolas, porque não escrevi eu isto? muito bom, como é óbvio :)

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