«Entre nós, parece-nos pouco avisado falar de cultura gay pré-Stonewall, embora se possa e deva falar de cultura homossexual tout court e, nesse campo, das suas representações literárias. À partida, importa rejeitar o álibi da patologia social com que Abel Botelho tentou subtrair O Barão de Lavos (1891) à pulsão da pederastia. Mesmo à época, o esfarrapado argumento do impulso hereditário – a famosa diátese dos afectos – só podia vingar numa sociedade profundamente recalcada como a nossa.»
Eduardo Pitta, Fractura: A Condição Homossexual na Literatura Portuguesa Contemporânea. Coimbra: Angelus Novus, 2003; pp. 11-12.
Além da citação acima, só invoco o 3º e o 10º direitos do leitor e sigo para bingo. Avaliem pelos excertos seguintes.
«O atavismo fez explodir neste [Sebastião, o barão] com rápida energia todos os vícios constitucionais que bacilavam no sangue da sua raça, exagerados numa confluência de seis gerações, de envolta com instintos doidos de pederasta, inoculados e progressivamente agravados na sociedade portuguesa pelo modalismo etnológico da sua formação. A inversão sexual do amor, o culto dos efebos, a preferência dada sobre a mulher aos belos adolescentes, veio-nos com a colonização grega e romana. Nos Gregos a pederastia era uma paixão comum e de nenhuma forma desprezível. Cantavam-na e celebravam-na publicamente. Essa obscena invenção de Ganimedes, príncipe troiano duma beleza maravilhosa, arrebatado e transportado ao Olimpo pela águia de Júpiter para substituir Hebe, a hetera divina, no serviço particular dos deuses, é um símbolo; dá o documento frisante de quanto era honrado o efebismo na antiga Grécia. […]
Os Romanos imitaram, e excederam, por conseguinte, os povos mais velhos do Oriente no gosto da pederastia. […] Os grandes modelos de dedicação fraterna que nos oferece a História – Castor e Pólux, Pirítoo e Teseu, Pílades e Orestes, Alexandre e Heféstion, Harmódio e Aristogíton, os dois filhos de Adiátorix, os nossos dois Ximenes, Antínoo e Adriano, Pátroclo e Aquiles – não passam os mais deles de espécimes aberrativos de mútuas complacências libidinosas.
De Roma é claro que a paixão dentro do mesmo sexo alastrou para as colónias. A contaminação era fatal. Sofreu-lhe os efeitos a Península Hispânica, mormente no Sul e no Oeste, aonde mais demorada e mais poderosa foi a influência etológica dos Romanos. Depois vieram os bárbaros do Norte inocular sangue novo no derrancamento crapuloso do Império. A transfusão foi crudelíssima. […] A regeneração foi prodigiosa. Dos escombros da assolação ergueu-se – pura, sadia, idealista, ingénua – a sociedade medieval» (pp. 26-28).
«Com a diuturnidade da causa, o mal prosperou e enraizou-se, alargando sobre a geração de hoje um império feroz e dissolvente» (p. 28).
«No barão de Lavos confluíam poderosamente as qualidades todas do pederasta. Quando tinha 10 anos, entrou para o colégio de Campolide. […] Com o penujar da adolescência veio-lhe o impulso de verter nos companheiros as demasias da sua alma generosa c ávida. Amou alguns dos colegiais que lhe orçavam pela idade. Foi excessivo. Destas cenazinhas adoravelmente ridículas, que são triviais nos colégios – trocas de solilóquios inflamados, cartas, exorações, amuos, rancores, ciúmes, pugilatos, ensaios precipitados de cópula do palmo quadrado das latrinas – de tudo teve o futuro barão num grau exagerado e quente, a que a sua compleição débil e requintada vestia o máximo colorido» (pp. 29-30).
De Roma é claro que a paixão dentro do mesmo sexo alastrou para as colónias. A contaminação era fatal. Sofreu-lhe os efeitos a Península Hispânica, mormente no Sul e no Oeste, aonde mais demorada e mais poderosa foi a influência etológica dos Romanos. Depois vieram os bárbaros do Norte inocular sangue novo no derrancamento crapuloso do Império. A transfusão foi crudelíssima. […] A regeneração foi prodigiosa. Dos escombros da assolação ergueu-se – pura, sadia, idealista, ingénua – a sociedade medieval» (pp. 26-28).
«Com a diuturnidade da causa, o mal prosperou e enraizou-se, alargando sobre a geração de hoje um império feroz e dissolvente» (p. 28).
«No barão de Lavos confluíam poderosamente as qualidades todas do pederasta. Quando tinha 10 anos, entrou para o colégio de Campolide. […] Com o penujar da adolescência veio-lhe o impulso de verter nos companheiros as demasias da sua alma generosa c ávida. Amou alguns dos colegiais que lhe orçavam pela idade. Foi excessivo. Destas cenazinhas adoravelmente ridículas, que são triviais nos colégios – trocas de solilóquios inflamados, cartas, exorações, amuos, rancores, ciúmes, pugilatos, ensaios precipitados de cópula do palmo quadrado das latrinas – de tudo teve o futuro barão num grau exagerado e quente, a que a sua compleição débil e requintada vestia o máximo colorido» (pp. 29-30).
Soubeste condimentar devidamente o "cozinhado" de forma a que ficasse com fome...de ler!
ResponderEliminarAbração.
Ai, a peste que alastrou pelo império... Mas este abelbotelho faz a descrição toda da bicha! Ahhh! Um Pederasta! (diziam no secXIX) Fujam que ele vai-vos comer!...
ResponderEliminarSão as minhas cláusulas favoritas, também!
Abraço Paulo e Zé
Adorei a parte em que se fala que "De Roma é claro que a paixão dentro do mesmo sexo alastrou para as colónias. A contaminação era fatal. Sofreu-lhe os efeitos a Península Hispânica, mormente no Sul e no Oeste, aonde mais demorada e mais poderosa foi a influência etológica dos Romanos."
ResponderEliminarEu bem me parecia que o sul era mais mariquinhas. Lá está: tem "berço". ;)
Contudo, a influência romana, embora tenha sido confrontada com uma maior resistência pelos Calaecci e pelos Zoelae (tribos que viviam na actual zona do Minho e de Trás-os-Montes), acabou por triunfar, espalhando os usos, práticas e costumes pela cultura castreja.
Mesmo assim, desconfio que já antes dos romanos, os rituais viris dos balneários castrejos (uma sauna entre pedras, com três compartimentos - aquecida por um forno - recolhida e exclusivamente masculina), já traria água no bico. ;)
O Catatau a "puxar a brasa à sua sardinha"!!!
ResponderEliminarA mim também me parece que os antigos balneários deram lugar às saunas gay!!!!
O texto é delicioso, mas puxado!!!
Bjocas
ResponderEliminarAté breve
Um barão pederasta? Ai esta aristocracia! Giro que me lembrei do Botto:
ResponderEliminar"Venham ver a maravilha
Do seu corpo juvenil!"
um abraço.
Eu já li este livro há uns bons anos. Até a capa é diferente. E lembro-me que me surpreendeu muito e que ficou como uma referência literária. Recomendo-o, se me é permitido dizê-lo assim! Abraços para todos,
ResponderEliminarO que ha que dizer sobre a pederastia e bem alto e muitas vezes e as pessoas indicadas é que a igreja catolica com o seu celibato que mantem os homens hetero- e homosexuais num estado sexualmente infantil tem uma grandisima culpa nesta situacao.
ResponderEliminarAh, e obrigada por expor tanta beleza.Gosto de olhar :))
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