Mário-Henrique Leiria, "Chamada geral"
avisam-se todas as polícias
fugiu um homem
tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente
atenção
supõe-se que é perigoso
sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços
atenção
GOSTA DE TREMOÇOS
repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta
atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso
os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida
insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade
atenção
em liberdade
delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência
todo o cuidado é pouco
consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensa
atenção
anda pelo país um homem
livre
não se sabe o que fará
exige-se
a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente
atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência
repete-se o apelo
ATIREM PARA MATAR
NADA DE PERGUNTAS
in Novos Contos do Gin, 1978
Muito bem escolhido para este dia, o comemorativo e o dia de todos-os-dias, em que apetece fugir...
ResponderEliminarUm abraço e um grande Viva a Liberdade!
Ana,
ResponderEliminarObrigado, novamente, pelo teu comentário. Não descobri - ou nunca lhe tinha dado muita atenção - o poema há muito tempo, mas a ironia, o sarcasmo têm uma força surpreendente. Afinal, ser-se comum, normal, livre é um crime muito grande, sobretudo quando há tanto medo da democracia.
Um grande Viva a Liberdade!
Óptima escolha. Mesmo assim, o vosso blogue em si mesmo seria uma escolha tão boa ou melhor para um dia supostamente dedicado à liberdade...
ResponderEliminarStay Well
Nelson,
ResponderEliminarobrigado pelo elogio! Mas não exageres, ok!
Estas datas precisam de existir para nos lembrarmos que houve dias em que ser-se livre era um crime, ter-se ideias era muito perigoso e atos eram sempre condicionados.
Abraços
Realmente, o que será de nós com um homem assim à solta??
ResponderEliminarNão conhecia. Muito bom. E a violência e ironia nas palavras, aterradoras.
Um abraço.
Isto é muito bom!
ResponderEliminarNão conhecia.
De facto ironia e sarcasmo no seu melhor.
brilhante! muitíssimo obrigado :)
ResponderEliminar(temo na China sejam capazes de levar o poema à letra..)
Há quanto tempo não ouvia isto.
ResponderEliminarObrigado por teres transportado este poema para aqui e que bem fica celebrar assim Abril.