segunda-feira, 25 de abril de 2011

a liberdade


Mário-Henrique Leiria, "Chamada geral"
avisam-se todas as polícias
fugiu um homem

tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente

atenção
supõe-se que é perigoso

sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços

atenção
GOSTA DE TREMOÇOS

repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta

atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso

os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida

insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade

atenção
em liberdade

delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência

todo o cuidado é pouco

consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensa

atenção
anda pelo país um homem
livre

não se sabe o que fará

exige-se
a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente

atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência

repete-se o apelo
ATIREM PARA MATAR
NADA DE PERGUNTAS

in Novos Contos do Gin, 1978

8 comentários:

  1. Muito bem escolhido para este dia, o comemorativo e o dia de todos-os-dias, em que apetece fugir...

    Um abraço e um grande Viva a Liberdade!

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  2. Ana,
    Obrigado, novamente, pelo teu comentário. Não descobri - ou nunca lhe tinha dado muita atenção - o poema há muito tempo, mas a ironia, o sarcasmo têm uma força surpreendente. Afinal, ser-se comum, normal, livre é um crime muito grande, sobretudo quando há tanto medo da democracia.
    Um grande Viva a Liberdade!

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  3. Óptima escolha. Mesmo assim, o vosso blogue em si mesmo seria uma escolha tão boa ou melhor para um dia supostamente dedicado à liberdade...


    Stay Well

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  4. Nelson,
    obrigado pelo elogio! Mas não exageres, ok!

    Estas datas precisam de existir para nos lembrarmos que houve dias em que ser-se livre era um crime, ter-se ideias era muito perigoso e atos eram sempre condicionados.

    Abraços

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  5. Realmente, o que será de nós com um homem assim à solta??
    Não conhecia. Muito bom. E a violência e ironia nas palavras, aterradoras.
    Um abraço.

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  6. Isto é muito bom!
    Não conhecia.
    De facto ironia e sarcasmo no seu melhor.

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  7. brilhante! muitíssimo obrigado :)
    (temo na China sejam capazes de levar o poema à letra..)

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  8. Há quanto tempo não ouvia isto.
    Obrigado por teres transportado este poema para aqui e que bem fica celebrar assim Abril.

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