quarta-feira, 3 de setembro de 2008

..:: o homeᴟ português ::..


Hoje devia ser para falar de um livro, mas não me apetece. Vai daí lembrei-me, a propósito da sequência de entradas do Algbiboy (1, 2, 3) e de uma outra do Special K, do texto que cito abaixo e que encontrei num dos manuais de português. Na altura, foi escolhido por um aluno para ser lido à turma e defendido (ou contrariado). Posso dizer que o rapaz esteve muito bem e acabámos todos a rirmo-nos deste retrato caricaturado mas tão próximo do real. Acima de tudo, Deus nos livre dos fatos de treino verdes e roxos e dos passeios pelo centro comercial! Já tem uns anitos, mas divirtam-se.





© Fernando Botero, Familia




O Homem Português


Chama-se Manel, é funcionário público e casado com uma Maria Qualquercoisa ou Qualquercoisa Maria. Tem um belo bigode preto, mede geralmente entre 1.60m e 1.70m e pesa mais de 80 kg, 50% dos quais acumulados na barriga, portanto é incapaz de usar o cinto na cintura e calçar sapatos com atacadores (a menos que a Maria concorde em apertá-los todas as manhãs).
Pratica desporto aos fins-de-semana, graças à Bola e ao Record, para além das transmissões da SportTV. E não importa que a Maria e os filhos (a Cátia Vanessa e o Bruno Vanderley) estejam mortinhos por vestir os fatos de treino verdes e roxos para irem passear para o Centro Comercial. Enquanto estiver a dar os oitavos de final da 3ª liga da Checoslováquia ninguém vai a lado nenhum, “vão mas é à cozinha buscar-me uma bejeca, isto é que é vida!”(desaperta as calças e põe os pés em cima da mesinha de café coberta com um naperon).
Todos os dias, assim que chega da repartição encontra as camisas engomadas e o jantarzinho na mesa. Aos domingos almoça em casa da sogra, que “nunca devia sair da cozinha, só lá é que presta para alguma coisa”, e janta naquela tasca onde servem uns pezinhos de coentrada e um pudim Flan que não há em mais lado nenhum.
O roteiro cultural do homem português está limitado às exposições itinerantes que de vez em quando passam pelo OlivaisShopping e são de borla. Vai às vezes ao cinema, ao domingo à tarde. “O Estalóne pá... Aquilo é que é um artista!
Detém um considerável grau de informação acerca dos temas da actualidade, mas apenas detém. Não a processa, não a interpreta nem a sabe comentar muito além de “aquele Saddam pá, monhé do caraças, nunca mais lhe arrebentam c'a fronha.
Quem ele mais admira no nosso país é o grande Vale e Azevedo, “qual vigarista qual quê, cambada de invejosos!” e a Soraia Chaves (o melhor será não reproduzir aqui os comentários típicos a seu respeito). A nível pessoal, o seu grande orgulho é nunca ter precisado de Viagra, “a minha Maria que o diga, não sou cá homem para essas coisas”.
Comprou recentemente uma roulotte que está no parque de campismo da Costa da Caparica, cabem lá 5 pessoas e o depósito dá para 5 banhos, portanto durante uma semana chega para todos. “Este ano é que vão ser umas belas férias! Umas belas sardinhadas e um passeiozito até Espanha. Dizem que Badajoz é muito bonito...


Patrícia Esteves Nunes »» Público »» 14-09-1999

7 comentários:

  1. LOOOOL

    Retrato típico, sim senhor! Mas ainda poderias enriquecê-lo com mais uma data de propriedades...

    É triste, não é?
    Quando será que poderemos aspirar a ter retratos culturalmente mais desenvolvidos?

    Abraço:)

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  2. Um retrato fantástico, "pobre" mas real!

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  3. Olá! Tudo bem?! Já há algum tempo que não passava por aqui mas tu tens passado pelo meu blog e eu agradeço-te por isso. Hoje cá vim retribuir a visita e saber o que tens de novo.

    Em relação ao texto, achei piada e cheguei à conclusão de que apesar de o texto já ter alguns aninhos, ainda se encontra muitos 'Maneis' por ai. Muitos mesmo...

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  4. Embora a precisar aqui e além de um up-grade, o texto é uma delícia. Foi pena a Patrícia Esteves Nunes não ter sido mais corrosiva, mas pronto, é uma questão de estilo, rsrsrsrs.
    Lembro-me agora dos estupendos textos/retratos etnográficos/sociolócicos de um outro Esteves, o MEC - esse sim, bem mais contundente e delirante. Ainda te lembras de "A Causa das Coisas" e de "As minhas Aventuras na República Portuguesa"? Aquele homem acabou por fazer escola! :)

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  5. UUUUUIIIIII ! E desde 1999 mudou alguma coisa ?? !! :(

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  6. Está estupendo, apesar da idade, o que só mostra como nós "involuímos"; em certos aspectos fez-me lembrar aquele "grunho" que era o cunhado da Mrs. Pucket, recordas-te?
    Abraço.

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  7. Gostei deste texto, pois retrata bem a nossa típica forma de ser e de estar.
    Somos um triste povo!

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