Deuses e mitos
Além da abordagem sobre os deuses olímpicos de 2008 (as fotos do Phelps estão excelentes), há nesta Com'Out um mito que me fez erguer o sobrolho e sobre o qual há muito que queria ter tecido algumas considerações sobre. Gosto de ler a opinião dos outros (por exemplo, a crónica de António Balzeirão é um bom exemplo disso, cf. p. 98), mas não gosto de maniqueísmo, de branco ou preto, de ter de escolher, assim à cabeça, entre dois (às vezes, nem mesmo entre três é fácil), o que acontece no confronto das duas opiniões antagónicas expostas na página 11. Repito-me: há muitas cores no mundo, caramba!
Com efeito, a Com'Out nas páginas 11 e 17 aborda a questão: ser-se + feminin@/+ masculin@ ou ainda + passivo/+ activo. Parece ser o momento, até porque a Sara reflecte sobre o assunto. De facto, feminino e masculino são conceitos um pouco vagos e que tantas vezes nos são aplicados (ou nós próprios os auto e hetero-aplicamos) de forma arbitrária e subjectiva. Há várias décadas que a crise dos géneros atingiu vários níveis do saber e da vida e com repercussões extraordinárias que levam, por exemplo, à fluidez e maleabilidade de fronteiras.
Isto interfere directamente com a questão dos papéis: perguntaram ao Will se dava ou levava, por exemplo. Como se a vida se resumisse a isso: dar ou levar. Lembro-me do adágio que aplico aqui como ouro sobre azul: quem vai à guerra, dá e leva! Por muito que os papéis sejam estanques, nunca são assim lineares e simplistas ao ponto de simplesmente dar ou levar*. Às vezes penso que devo ser tão óbvio que nunca me abordaram com essa dúvida, se o fizessem responderia como não gosto de rótulos, muito menos dos que se referem ao + feminin@/+ masculin@ e tão-pouco do + passivo/+ activo. Não consigo definir-me dessa forma; afinal, valorizo mesmo a versatilidade (a todos os níveis, ok - mesmo que não a aplique) e dizerem-nos que eu tenho o perfil de dona de casa e de fêmea na cama e o Zé de macho não encaixa em nada do que somos no nosso quotidiano. É de facto, um mito que não dá com nada.
Por falar em casa, há tarefas em que o Zé é melhor e para as quais não tenho paciência, mesmo implicitamente já definimos isso há muito tempo. Por exemplo, o Zé nasceu com portentosos dons. Um deles é o da bricolage. Da minha parte, quando me meto nessas coisas pode suceder uma das seguintes situações com o mesmo resultado: 1) parto o objecto ou deixo-o irrecuperável; 2) fica tudo mal feito e termina no caixote do lixo. Bem, a verdade é que até sou eu quem quase sempre limpa o pó... portanto, de vez em quando há qualquer coisita que vai para o lixo ou que fica alterada: o São Sebastião, por exemplo, está a ficar sem setas!
Eu sei que as pessoas em geral, por uma questão de organização e sobrevivência, precisam de ter tudo compartimentado, rotulado, segundo as convenções que lhes foram incutidas para saberem inclusive onde se situam e que terreno pisam, mas será demais perceberem que é possível evoluir (até mudar... sim, mudar!), que nem tudo se rege pela sua visão do mundo ou encaixa nas medidas com que traçaram a sua suposta estabilidade (social, emocional, etc.)?
* Existe ainda aquela casta de alguma boa gente que reproduz um preconceito fantástico: o de que gays/homossexuais (leia-se maricas, paneleiros, larilas, etc. e tal) são os que assumem o papel de passivo numa relação sexual. Espero que um dia descubram como estão redondamente enganados e que, mais um adágio, tão ladrão é o que vai à loja como o que fica à porta. Trata-se de um raciocínio tão fantástico mas tão fantástico que, para os que o advogam, lamentavelmente, a minha cabecinha não encontra explicação sequer possível. Como termina a Cidália: oh, God make me good, but not yet!
ADENDA: vale a pena ler o editorial «Tristes figuras» sobre os enrustidos da nossa praça: «Cada um sabe de si. Acreditamos que se houvesse um coming out geral não seriam suficientes todas as páginas dos jornais e revistas portuguesas para publicarem os nomes. O que provoca uma certa indignação é muitas dessas ditas figuras se exibirem na praça pública inventando namoros, fabricando mentiras a troco da aceitação da sociedade. Em Portugal ainda se continua a pagar um preço muito alto pela saída do armário. E muitos concluem que mais vale continuar a ser sócio do clube dos hipócritas, do que ser excluído do circo, onde estão condenados a desempenhar eternamente o mesmo papel...»
ADENDA: vale a pena ler o editorial «Tristes figuras» sobre os enrustidos da nossa praça: «Cada um sabe de si. Acreditamos que se houvesse um coming out geral não seriam suficientes todas as páginas dos jornais e revistas portuguesas para publicarem os nomes. O que provoca uma certa indignação é muitas dessas ditas figuras se exibirem na praça pública inventando namoros, fabricando mentiras a troco da aceitação da sociedade. Em Portugal ainda se continua a pagar um preço muito alto pela saída do armário. E muitos concluem que mais vale continuar a ser sócio do clube dos hipócritas, do que ser excluído do circo, onde estão condenados a desempenhar eternamente o mesmo papel...»
Ainda ontem estava a pensar na parte do "+ feminin@/+ masculin@" e acho que é um preconceito que está enraizado dentro de nós: um gay que demonstre alguma feminidade (simples ou complexa) leva logo com um rótulo de inferioridade...
ResponderEliminarEu faço isso culturalmente "por instinto" mas procuro combatê-lo e dou um exemplo que muitos devem ter visto no concerto da Madonna: um rapaz num pequeno calção do merchandising da Sticky & Sweet Tour e um longo lenço roxo (não me lembro da t-shirt, mas era de cavas...) causou algum burburinho pela forma como estava vestido e a dançar... mas estava pura e simplesmente a ser como se sente bem e a divertir-se...
Porque é que uma pessoa não pode dar um grito mais alto quando se queima com água quente? Homem ou mulher?
Só perde quem não consegue ultrapassar esta barreira cultural/social...
Quanto ao "+ passivo/+ activo" (Paulo, pelos vistos, as mulheres não são nem uma nem outra) reformulo o que disse no blog do Will:
1.º Experimentem!
E se gostarem, continuem...
Se não, já têm uma opinião...
Mas façam como nos diagnósticos: peçam sempre uma segunda opinião. ;)
2.º Acto sexual por consentimento mútuo, ambos são activos!
Se dá ou se leva, SEMPRE ou CONSOANTE A VONTADE, é irrelevante...
O que interessa é fazê-lo com prazer... PARA AMBOS.
3.º Pior de tudo é alguém que se diz ser uma e depois ser outra: mas isso não é sexo, é mentira.
Muito havia a dizer sobre o conteúdo deste post.
ResponderEliminarEm primeiro lugar sobre o masculino V feminino, isso não significa nada, a não ser uma forma de viver; eu aceito perfeitamente que haja gays efeminados, embora e sem o mínimo preconceito, não me atraiam sexualmente nada, porque o que eu gosto num homem são as suas características, físicas e não só, perfeitamente masculinas (não confundir com o vulgo "machão"); e até admito que em privado, e sem motivo de gozo, saiam algumas chamadas "bichisses", que não são parte, no dia a dia, da habitual maneira de ser das pessoas; num casal gay, como dizes, estabelecem-se normalmente tarefas que nada têm a ver com o masculino V feminino, mas com as naturais aptidões de cada um para esses afazeres; o mau é quando um faz tudo e o outro nada faz...
Já quanto ao activo V passivo, é ainda a saída airosa que muito "machão" encontra para soltar a sua recalcada homossexualidade, com a célebre frase "cú não tem sexo"; e a história contada pelo Will é exemplar, pois revela que essa diferença de "dar ou levar" ainda tem peso forte e em sectores evoluídos da sociedade portuguesa; não resisto a referir ainda aquele outro chavão tantas vezes utilizado no sexo homossexual acidental e que é começado com o habitual "o que é que fazes?" e geralmente terminado com o não menos normal "eu levar, não gosto"...Só há que perguntar se a pessoa já experimentou e como geralmente a resposta é "não", argumentar com "se não sabes como é, como podes dizer que não gostas?"
Ter sexo com outro homem não significa de forma alguma que tenha que haver penetração anal e esta quando exista nunca deve ser imposta, mas de comum acordo, há pessoas que preferem, por ter mais gozo, ser passivas, pois bem; e há o contráio, óptimo, mas que seja sempre com um gozo duplo e sem complexos do papel que se está a tomar; a versatilidade é mais isso, está mais na mente do que no acto físico.
Abraço.
E cá, acho que a comunidade homossexual já tem tantos rótulos e etiquetas que é uma palermice pegada andar a tentar definir quem é que atraca mais de pôpa ou quem é que abafa melhor a palhinha. Ou se é ou não se é. E se se é bi, pois também se é larilas.
ResponderEliminarTenho de comprar o 3º nº. Não é pelo nadador, claro (não faz o meu género), mas porque me parece que começa a ganhar em qualidade.
Quanto ao Editorial da Com'Out, eu sei como teria procedido...
ResponderEliminarAté ajudou-me a refinar a minha ideia de abordar a questão de forma subtil... e directa. Mas como não sou nenhum líder de nenhuma associação, há que esperar pelo dia...
Eles têm medo porque os gays conhecem-nos e dizem os nomes deles à boca cheia... como eu e os meus amigos fizemos quando íamos a caminho do Tijolo, para festa da Madonna...
Muito feliz a tua adenda, pois do pouco que já li, este Editorial foi das coisas que mais me chamou a atenção; não será pelo que depreendo da leitura nenhum nome conhecido daqueles que normalmente se associam à homossexualidade, mas pela homofobia demonstrada que pode significar tanta coisa, gostava mesmo de saber quem é o dito cujo...
ResponderEliminarAbraço.
Gosto muito das imagens (especialmente acho graça à da esquerda), gosto muito de vocês e gostaria muito de ir ao Queer, mas não pode ser porque se faz longe. Vão, divirtam-se e esqueçam as amargura da vida. Espalhem a fé e a esperança (do dia 10), alimentem a alegria. Sejam felizes juntos, sempre!
ResponderEliminarAbcs,
Deu-se especial prazer ler este vosso post, mais do que pelo tema em si, pela interessante abordagem ao mesmo. Sim, as pessoas perdem-se um pouco e ficam desconfortáveis
ResponderEliminarquando não "encaixam" tudo numa qualquer base de nomenclatura, de preferência num quadro de conceitos
já conhecidos e de fácil definição. Quais a fronteiras do activo e do passivo, até onde se estendem os conceitos. Mesmo reduzindo os termos a um comportamento puramente sexual, a coisa depende tanto da pessoa com quem se dá o envolvimento, do momento, da oportunidade, da situação em si, da predisposição, etc, etc ... para quê reduzir a beleza da nossa complexidade a redutos estanques?
Poderá haver tendências mas também podemos se nos apetecer, ser tudo.
Os estereótipos são fruto da ignorância. Só quem nunca teve contacto directo com a comunidade lgbt é que pensa dessa forma distorcida acerca dos membros da mesma.
ResponderEliminarEnfim, a sociedade portuguesa em geral é homofóbica, mas nunca se assume como tal, pois não é politicamente correcto fazê-lo depois do 25 de Abril...
Pois, não sei se não é politicamente correcto ... afinal passos tão simples como o casamento gay continuam a não ser mais que uma pura miragem
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