quinta-feira, 27 de setembro de 2007

..:: palavras que nos salvam ::.. Inês Pedrosa

Sexo oral


Primeiro a tua língua molha o meu
coração, num vagar de fera. Estendo
aurículas e ventrículos sobre a mesa, entre
os copos que desaparecem. Não há mais
ninguém no bar cheio de gente. Abres-me agora os
pulmões, um para cada lado, e sopras. Respiras-
-me. O laser das tuas palavras rasga-me o lobo
frontal do cérebro. A tua boca abre-se e fecha-se,
fecha-se e abre-se, avançando
por dentro da minha cabeça. As minhas cidades
ruem como rios, correndo para o fundo dos teus olhos.
O tempo estilhaça-se no fogo
preso das nossas retinas. O empregado do bar
retira da mesa o nosso passado e arruma-o na vitrina,
ao lado dos exércitos de chumbo.
Entramos um no outro,
abrindo e fechando as pernas
das palavras, estremecendo no suor dos
olhos abraçados, fazendo sexo
com a lava incandescente dessa revolução
imprevista a que damos o nome de amor.

Inês Pedrosa »» Egoísta, n.º 32 (Sexo) »» p. 8

10 comentários:

  1. Não é meu hábito comentar as razões por que cito, mas este texto é incrível. Sinto que o texto é de uma clarividência única: o corpo visceral no sexo. De facto, o sexo pode existir sem amor, mas o amor sem sexo afigura-se-me impossível (estamos no amor-amor, o erótico e não no familiar ou na amizade).
    O sexo exige entrega e exposição: abro o corpo, as vísceras até à quase morte quando atinjo as estrelas. Existe alguma coisa melhor?

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  2. Não resisti a "roubar-to" e coloquei no meu blog. Espero que nem tu, nem a Inês Pedrosa se importem.
    O meu estomâgo embrulhou todo e ainda nem a meio ia...
    E o teu comentário foi a cereja no topo!
    Lê-lo hoje teve especial significado, nem imaginas!
    Um abraço

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  3. Por mim, "rouba" à vontade. Quanto ao teu "hoje", já tinha percebido por causa do tarot e das cartas macabras.

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  4. É um poema estonteante! No início pareceu-me que entrava pelo erotismo da linguagem, da palavra, do verbo, em simultaneidade com a representação do corpo... ou uma corporização do efeito da palavra?
    Tenho de o reler. Muitas vezes :)

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  5. É realmente muito bom e a ideia do "roubo" também me assaltou; ou antes não seria um roubo do poema, mas sim da belìssima ideia de o ter escolhido; e aí, o mérito é todo teu, portanto fica aqui queestá aqui muito bem. A partilha é isto. Obrigado.
    Abraço.

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  6. Denise, trata-se de um poema forte: as palavras são fortes, as imagens, as metáforas. Estonteante também me parece uma boa classificação! Qual ao efeito ou processo: é mesmo o "primeiro estranha-se depois entranha-se".

    Pinguim, por mim, repito, também podes "roubar" à vontade. É sinal de sintonia. E a partilha é isso mesmo: oferecer e perceber que o outro usufruiu o presente.

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  7. Roubar ou não roubar, eis a questão.... Vou linkar. Para ler poema e revisitar o vosso blogue, lindo lindo!
    Bjos
    D

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  8. Denise, é uma boa técnica, a tua. Fiz o mesmo com o poema que apresentaste do E.M. Melo e Castro. É a tua sensualidade de carneira a vir à tona!

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  9. De carneira?! Minha, Paulo! Muito minha! Qual de carneira ;-)

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  10. iii, já me esquecia que os carneiros (e as carneiras) são tão teimosos(as)...

    :))

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