quinta-feira, 10 de abril de 2008

..:: palavras que nos inquietam ::.. 10 citações de/para Al Berto

Aqui estão: são dez citações de Dez Cartas para Al Berto/ Dez Cartas de Al Berto, mas poderiam ser muitas mais.
E ainda a voz do próprio Al Berto citando "Os Amigos" na Casa Fernando Pessoa, em Junho de 1995 (Wordsong ficará para outra altura).








«Entre duas datas: 30 de Julho de 1989 e 17 de Abril de 1997. Quase duas centenas de cartas, postais, poemas, textos, recados, convites, confidências, desabafos, conselhos e tanta solidão – Al Berto foi o irmão que não tive. Al Berto é o meu grande português.»
Joaquim Cardoso Dias, «Prefácio», p. 10

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«Que o tempo é matéria volátil, bem o sabemos – nós que somos feitos de tempo e de cinza.»
Fernando Pinto do Amaral, «Lugares do Coração», p. 46

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«Passam os anos, os amores, e caem os anjos num bairro de mesas vazias. Sim, a noite. As noites em que te vi e pouco falei, em que bebi, à entrada de algumas portas, o álcool muito puro das colheitas distantes, cactos de um deserto iluminado, centeio e cevada das terras altas. Todas partiram.»
José Agostinho Baptista, «Al Berto», p. 59

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«Foi aí que ele contou a sua doença; e apesar do lado terrível dessa descoberta de uma morte que o habitava, o que lembro foi o modo que encontrou para a vencer, personificando-a e entregando-se a um combate permanente contra essa imagem que, muitas vezes, por ele passara, e com quem ia jogando ao gato e ao rato.»
Nuno Júdice, Al Berto, «Solar e Dionisíaco», p. 69

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«Não. Tudo continua, neste momento, na minha vida, como nos últimos tempos. Um terror! – uma merda! – e não me apetece nada. Absolutamente nada. Dá-me a impressão que tenho andado entretido a falhar coisas, não sei. Nada funciona comigo e parece que a alma e o corpo estão em suspenso, entorpecidos até à medula. Que fazer? Não sei!
Sinto falta de tudo, de afectos, de ternura, de tudo, de amor, de paixão, de gestos que me indiquem que estou aqui, que estou vivo e, apesar de tudo, vale a pena ir celebrando a vida. Dentro do possível. Dentro do que me parece justo.»
Al Berto, Sines, 13 Fev. 92, pp. 72 e 73

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«O silêncio que me rodeia pesa como chumbo. O dia está cheio de sol mas que me importa isso se dentro de mim escorre uma cinza, um escuro espesso, uma treva onde mergulho o pensamento e tudo se turva.
Apetecia-me dar-te a mão e fechar os olhos – e pelos bosques imaginados ir, noite adiante, esquecendo tudo…»
Al Berto, Sines, 18 Jan. 93, pp. 83 e 85

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«Ando a tentar cicatrizar feridas e cinzas, mas estou bem, embora tenha a alma como um saco roto e sem arranjo.
(…) Continuo a viver – ao contrário do que se possa pensar – numa grande e incompreensível inquietação.
Suponho que são os 50 a aproximarem-se. Já não faltam assim tantos, não é? E vermo-nos tão sozinhos como há 30 anos atrás. Só que há 30 anos havia, penso eu, algumas perspectivas, alternativas à minha frente – Hoje não há nada. Uma espécie de vazio escuro, onde não se consegue vislumbrar luz nenhuma, sinal nenhum…
(…) Parece-me que tenho cumprido esse destino que não desejei: viver, e viver aquilo que me apeteceu viver – já não é nada mau, nos tempos odiosos que correm.»
Al Berto, Sines, 18 Set. 95. pp. 93-94

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«Preciso tanto de ti e não te posso lembrar. Preciso tanto das tuas palavras e não as consigo ler. Restam-me os excessos, porque os excessos não são de ninguém. Excedem-nos e, por isso mesmo, porque os teus excessos sempre existiram para além de ti, é-me muito fácil apropriar dos teus excessos e transformá-los nos meus excessos. Excedo-me por ti e para ti. Sou capaz de beijar a tua boca agora! E de sentir nos teus lábios as palavras que nunca me disseste. Sou capaz de me vir sobre os teus versos e esperar que, ao secar, o meu esperma evapore um bocadinho da poesia que nos deixaste. O gozo é o mais próximo que eu consigo chegar da poesia. Por isso amo excessivamente. Por isso, me amo excessivamente. Por isso, diariamente, me ofereço o momento supremo da poesia que, de imediato, não é mais que uma recordação nostálgica e algumas marcas que o amor deixa sempre nos lençóis, mesmo o amor solitário.
e é o mar que vem lavar essas marcas. Só o mar. O mar que te faz companhia agora que te fizeste oceano. O mar que me faz companhia agora que me ensinaste o oceano. Agora, abro a janela. Agora, pouso os meus olhos no mar e, através das longas horas deste silêncio que me desespera, escuto o rumor das ondas que eternamente se desmancham sob os olhos da poesia. Elas falam. Elas dizem
o teu nome
o teu nome (...)»
Tiago Torres da Silva, «A Caso», pp. 98-99

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«O que eu queria era enviar-te um sms a combinar um jantar logo, onde seria certo acabarmos a rir e a concluir que já não havia poetas e que somos todos artistas de variedades. Uns melhores e outros muito piores, claro. Mas não cheguei a saber o número do teu telemóvel.
Escrevo esta carta e não sei como a enviar, não sei a tua morada no tempo do mundo.»
Nuno Artur Silva, «Devolvida ao Remetente», pp. 107-108

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«Nada do outro mundo. Apenas uma imensa necessidade de silêncio. Apenas o silêncio… depois da barafunda. Olhar para dentro e limpar… limpar – apenas o silêncio.»
Al Berto, Lisboa, 22 Out 96, p. 111



19 comentários:

  1. Não consigo comemtar nada...desculpa, Paulo.

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  2. Dissolvi-me...
    ... nesse espelho aquático.

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  3. Ando com pouco tempo para leitura mas este parece-me ser indispensável.
    Um abraço.

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  4. Há qualquer coisa na frase "não sei a tua morada no tempo do mundo" que mexe comigo.

    Acho que nenhuma alma maior chega a ter essa morada enquanto está no tempo do mundo...

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  5. Muito, MUITO, bonito! Um trabalho notável este Dez Cartas Para Al Berto... E este post é digno de ser divulgado por todos. Excelente a qualidade e bom gosto!
    Um abraço.
    Paulo Sampaio

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  6. Olá rapazes, adorei o blog de vcs. Cheguei aqui pesquisando umas imagens do Pierre et Gilles e não pude evitar de ler o blog. Se quiserem, apareçam no meu Apartamento 502 (rs). De vez em quando tem coisas boas. Abçs.

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  7. Espectaculo! Vai para a minha lista de próximas leituras. Obrigado pela partilha.
    Abraço

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  8. Adorei o teu post! :)
    Li com muito gosto o Anjo Mudo, o Lunário... às vezes olho para trás e sinto... porquê? Porque é que todos os icónes da minha adolescência teimam em morrer e a deixar espaços vazios... hoje em dia é tudo tão igual...
    ***

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  9. # Pinguim, assim de repente que tenho eu para te desculpar? Mas porque não hás-de tu comentar? Isso, sim, interrogo-me...

    # Moi, não consigo responder-te poeticamente... Mas gosto do espelho aquático.

    # Special, lê-se num ápice. Nem dás conta como te envolves e pensas: já acabou?!

    # Will, será por o mundo ser demasiado mundano?

    # Paulo Sampaio, obrigado pelas tuas palavras e simpatia! Fico-te muito agradecido pela motivação!
    E volta sempre!

    # Leo, bom lá teremos de passar pelo Apartamento 502! Assim, descobrimo-nos uns aos outros e o mundo fica mais pequeno!
    Obrigado pela passagem registada!

    # Socrates, vale a pena! Acredita que sim.

    # Medusasss, acho que percebo bem o que queres dizer. Os grandes com quem crescemos ou já partiram ou estão de partida. A mim dá-me um aperto, uma nostalgia por saber que não já poderei apertar-lhes a mão, dar um beijo, dizer frente a frente que os adoro. O Al Berto era uma figura singularíssima e só me cruzei com ele uma vez... sabia eu lá então o que era a vida!
    Faltam figuras fortes, ah, pois faltam!

    Beijos e abraços

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  10. O Al Berto era fantástico; e as suas cartas, algo de outro mundo. Nós temos umas quantas, não muitas, que noutra altura poderão ler... É bom recordar aqui o amigo que foi, é bom saber e manter viva a sua memória. Obrigado!

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  11. Luís, ter cartas dele deve ser um privilégio. Digo eu que só tenho um livro autografado. Tenho imensa curiosidade. Da próxima vez que aí formos, já sabes: têm de nos satisfazer a curiosidade!
    Abraços

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  12. Não sei se estas coisas se agradecem. Nunca sei! No entanto, eu defendo que sim. Não gosto dos escritores que não descem do alto ou não dizem, assim, com palavras fácies de entender que são seres humanos comuns neste nosso tempo de fogos de artifícios e de gente mal intencionada.
    Aqui estou eu para lhe dizer MUITO OBRIGADO pelo seu trabalho de divulgação de uma obra de que sou autor e por ajudar a partilhar com tanta gente a minha amizade eterna com o Al Berto - talvez um dos últimos seres humanos à face desta nossa terra de ninguém.
    Agradeço-lhe muito essa a atenção e respeito que teve para comigo e pela memória do poeta Al Berto de que fui (e ainda sou) muito amigo.
    Um abraço, felizes todos juntos.
    OBRIGADO.

    Joaquim Cardoso Dias

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  13. Joaquim: não faço ideia como conseguiu chegar aqui a este espaço, mas fico muito feliz pelo seu comentário! Também há coisas que não sei se se agradecem... este post é muito pequeno para se agradecer, mas, repito, fico feliz pelo tempo que despendeu em vir. Ao fim e ao cabo, sou eu que agradeço! Até porque temo sempre citar quem desconheço, por receio da reacção.

    Também sou dos que não gosta de escritores empoleirados (seja o que for que isto signifique), e lamentavelmente temo ter percebido bem o seu prefácio: "Também agradeço muito a todos aqueles que de qualquer forma ou de todas as maneiras tentaram impedir a edição desta antologia. (...) Sem o menor cuidado pensaram que este livro de homenagem a Al Berto seria um perigo explícito para as suas mentes perversas, circulares, mesquinhas. Não tenho padrinhos - nem tão-pouco pertenço a capelinhas literárias. Ser livre é assim. (...)". Fiquei atónito.
    E, novamente, feliz! Ainda bem que é livre! Ainda bem que teve a ideia e não desistiu dela. Ainda bem que nos revelou as cartas que recebeu do amigo.

    Além disso, tenho-lhe todo o respeito, claro que sim e ainda mais porque fiquei fã de O Preço das Casas ("fã" pode soar mal, mas dá conta de que gostei, espero eu). Um dia destes porei aqui alguns poemas seus, espero que o Joaquim não se importe!

    Regressando à amizade, regozijo-me que continue a falar de Al Berto no presente. Concordo inteiramente com a ideia: a partida é somente física e a dor muito real.

    Um abraço, todos muito felizes juntos, claro!

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  14. Paulo: cheguei a este seu espaço por indicação de um amigo. Tenho amigos que me alertam para o que "falam" de mim em jornais e em blogues. Nunca fui de procurar com unhas e dentes tudo o que dizem de mim e dos meus livros. Não seria, no entanto, justo comigo mesmo se dissesse que não dou importância a isso, mas não me ponho em picos de pés para saber tudo o que dizem. Aprendi a ser assim ou talvez seja a minha forma de ser.
    Sabe, conheço alguns escritores empoleirados (para utilizar a sua expressão) e não suporto esse tipo de atitude. Enfim... Privei com o Eugénio, o Al Berto, o Vergílio Ferreira, o Mário Cesariny (só para citar alguns nomes)e todos eles seres humanos muito ricos e complexos mas extremamente simples.
    Sofri para esta antologia ficar pronta a tempo e horas, mas fico muito feliz quando me dizem que o resultado final é agradável e que contribui para dar a conhecer o Al Berto que vivia antes e depois dos poemas - ainda que a escrita do Al Berto seja toda muito autobiográfica. Talvez um dia eu torne público tudo aquilo por que passei.
    O "O Preço das Casas" já não é meu. Será um prazer entrar no seu blogue e descobrir quais são os poemas que mais gosta nesse meu livro. Agradeço-lhe, também, MUITO por isso.
    Agradeço-lhe, ainda, que mesmo sem saber nada de mim ajude a divulgar a minha poesia e dessa forma poderá originar outros leitores de poesia - é isto que muitos críticos da nossa praça esquecem quando falam só dos poetas que pertencem ao círculo vicioso e nojento em que se movem. Desculpe, mas não tenho papas na língua.
    Muito obrigado por tudo, mais uma vez. Não sei mais que dizer. E assim me calo.
    Aceite a minha simpatia.
    Joaquim Cardoso Dias

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  15. Errata

    *Onde se lê "fogos de artíficios" deve ler-se "fogos de artíficio".

    *Onde se lê "picos de pés"
    deve "ler-se bicos de pés".

    Obrigado e desculpe.

    Joaquim Cardoso Dias

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  16. Joaquim: muito obrigado por mais este comentário e por todas as explicações (ok, eu achei que não voltaria aqui... ainda bem que voltou). Em todo o caso, acho que faz muito bem em procurar o que dizem sobre si, embora possa escapar alguma coisa e a ajuda dos amigos é preciosa.
    Em relação ao escritores empoleirados, nem sei que lhe diga porque os poucos com quem privo mais não os consigo incluir nesse grupo. Faço parte somente do grupo dos leitores (e também os há empoleirados, mas como não faço parte de nenhum círculo - graças a deus!). Mas acredito cada vez mais que a simplicidade é um dom difícil de encontrar.
    No que toca a Dez cartas para Al Berto..., o resultado não é só agradável: já o tinha escrito e é muito mais que isso e fez muito bem em ter dado conta no prefácio da dificuldade que teve em o pôr cá fora. Se não o tivesse lido, jamais suspeitaria e os leitores também precisam de saber isso. Sabe que eu estive por uma unha negra para dissertar sobre O Medo e acabei por desistir por ter sentido (se calhar, foi mais intuido) uma resistência que me desanimou. A minha linha incidia sobre o corpo e a vida, claro que teria de passar pela autobiografia. Como não percebi o motivo de uma certa insistência do orientador na escrita que dizia ser automática (ao gosto surrealista) ou no tom rebelde e essencialmente provocatório, acabei por desistir do mestrado (regressei depois, mas com uma orientadora e outro autor). Lembrei-me de dizer isto porque refere que "a escrita do Al Berto [é] toda muito autobiográfica". Eu acreditava nisto, mas o orientador nem por isso. Foi uma pedra que me ficou no sapato.
    Se achar bem, fale disso já que poderá ajudar a perceber o meio literário(?), académico(?)...
    Em O Preço das Casas, confesso que o poema que mais gosto encontrei-o reproduzido aqui. E como é um blogue que costumo ver com alguma frequência, não o porei aqui, vou escolher outro (ou outros, ainda não decidi).

    Ah, e sou eu, repito, que lhe agradeço a atenção! Claro que já sei alguma coisa de si: pelo que escreve e eu li (e vi), pela sinopse do livro (já agora, vivi 4 anos - o período do secundário - em Castelo Branco), pelo que me comentou. Não preciso de muito mais para gostar da escrita de alguém.

    Abaixo esses círculos que refere!

    Não precisa de dizer mais nada, Joaquim, mas agradeço-lhe MUITO a atenção e tempo que me (nos) tem dedicado! Para mim (e o Zé), tem sido precioso. OBRIGADO.
    Abraço




    (p.s.: não se preocupe com erratas, afinal percebi tudo e se não percebesse por causa de uma gralha, perguntar-lhe-ia aqui mesmo)

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  17. Paulo: quando a modéstia manda calar, apenas poderei dizer-lhe bem-haja e deixar-lhe um grande abraço.

    Joaquim Cardoso Dias

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  18. Modéstia a sua, Joaquim!
    Obrigado pelo abraço, que retribuimos!

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