Uxía, "Vou-me eu, fermosa", in Estou Vivindo No Ceo [1996]
Vou-m'eu, fremosa, pera'l-rei:
por vós, u* for, penad'irei
d'amor, d'amor, d'amor, d'amor;
por vós, senhor, d'amor, d'amor.
Vou-m'eu a la corte morar:
por vós, u for, hei a penar
d'amor, d'amor, d'amor, d'amor;
por vós, senhor, d'amor, d'amor.
E se vos non vir, que farei?
Cuidand'en vós, morrer-vos-ei
d'amor, d'amor, d'amor, d'amor;
por vós, senhor, d'amor, d'amor.
por vós, u* for, penad'irei
d'amor, d'amor, d'amor, d'amor;
por vós, senhor, d'amor, d'amor.
Vou-m'eu a la corte morar:
por vós, u for, hei a penar
d'amor, d'amor, d'amor, d'amor;
por vós, senhor, d'amor, d'amor.
E se vos non vir, que farei?
Cuidand'en vós, morrer-vos-ei
d'amor, d'amor, d'amor, d'amor;
por vós, senhor, d'amor, d'amor.
Pedr'Eanes Solaz (séc. XIII)
*****
Um dia, o acaso quis que nos cruzássemos, deu-me a filoxera e acabei por falar demais e criar um equívoco. O mesmo acaso, rapidamente, nos devolveu cada um ao respectivo mundo. Passados oito anos reencontro-o, noutro acaso feliz e só possível graças a este universo bloguístico. Lembrava-me d'"A Princesa Russa" de Mia Couto, mas não das Cantigas de Amigo, confesso.
Decidi escolher uma destas, mas também podia ter sido de amor ou de escárnio e maldizer **. Andei a basculhar na memória da estante e tinha várias hipóteses, acabei por escolher esta Cantiga de Amigo que não é muito conhecida (pois, não é de Dom Dinis, o trovador ou o agricultor, nem de Afonso X, o sábio, seu avô, nem de Martín Codax…), mas que é magistralmente cantada pela galega Uxía.
Não sei, mas acho que cada vez menos serão as pessoas que compreenderão a importância e o carácter único das Cantigas de Amigo na cultura, língua, história e sociedade coevas e posteriores. Já nem fazem parte do currículo de Português, senão lateralmente para se perceber de onde vem Camões.
Pessoalmente, prefiro as musicadas, mesmo com música contemporânea porque o poema ganha outra alma. Como bem saberão, ao contrário da lírica provençal, na galaico-portuguesa, poucas foram as cantigas que nos chegaram com pauta: de um total de cerca de 1680 textos profanos***, chegaram só 13 com pauta, através do Pergaminho Vindel, descoberto em 1913, e do Pergaminho Sharrer, descoberto em 1990, sendo que, na sua criação, poema e música eram absolutamente indissociáveis (e por isso mesmo se chamam cantigas, o objectivo era serem cantadas). Se nunca ouviram La Batalla sob a direcção de Pedro Caldeira Cabral no álbum Cantigas d'Amigo, façam favor de o fazer, perceberão melhor como a nossa melancolia é já antiga e enraízada.
Finalmente, o poema da donzela que lamenta ir para a corte, perdendo o contacto com o seu amado, a música e o vídeo montado com várias imagens vão direitinhos para ti.
* Quem sabe francês é fácil: "u" = "où" = onde
** As cantigas de escárnio virão noutro momento
Decidi escolher uma destas, mas também podia ter sido de amor ou de escárnio e maldizer **. Andei a basculhar na memória da estante e tinha várias hipóteses, acabei por escolher esta Cantiga de Amigo que não é muito conhecida (pois, não é de Dom Dinis, o trovador ou o agricultor, nem de Afonso X, o sábio, seu avô, nem de Martín Codax…), mas que é magistralmente cantada pela galega Uxía.
Não sei, mas acho que cada vez menos serão as pessoas que compreenderão a importância e o carácter único das Cantigas de Amigo na cultura, língua, história e sociedade coevas e posteriores. Já nem fazem parte do currículo de Português, senão lateralmente para se perceber de onde vem Camões.
Pessoalmente, prefiro as musicadas, mesmo com música contemporânea porque o poema ganha outra alma. Como bem saberão, ao contrário da lírica provençal, na galaico-portuguesa, poucas foram as cantigas que nos chegaram com pauta: de um total de cerca de 1680 textos profanos***, chegaram só 13 com pauta, através do Pergaminho Vindel, descoberto em 1913, e do Pergaminho Sharrer, descoberto em 1990, sendo que, na sua criação, poema e música eram absolutamente indissociáveis (e por isso mesmo se chamam cantigas, o objectivo era serem cantadas). Se nunca ouviram La Batalla sob a direcção de Pedro Caldeira Cabral no álbum Cantigas d'Amigo, façam favor de o fazer, perceberão melhor como a nossa melancolia é já antiga e enraízada.
Finalmente, o poema da donzela que lamenta ir para a corte, perdendo o contacto com o seu amado, a música e o vídeo montado com várias imagens vão direitinhos para ti.
* Quem sabe francês é fácil: "u" = "où" = onde
** As cantigas de escárnio virão noutro momento
*** Além das cantigas profanas, ainda existem as Cantigas de Santa Maria de Afonso X, que podem ser ouvidas e lidas aqui na íntegra (façam a experiência e se não conhecem Jordi Savall, Hespèrion XX ou La Capella Reial de Catalunya, ouçam em particular a cantiga 100)
Este tipo de cantares deve ser das poucas coisas que gosto da época medieval; quanto a Uxia, é um dos expoentes máximos de um bom grupo de cantores galegos.
ResponderEliminarPor falar em Galiza, porque é que o rio Minho é fronteira?
Abraços.
Lindíssimo, a voz da Uxia é mesmo única.
ResponderEliminarNão sabia que este tipo de poesia já não fazia parte dos currículos de português. Além de serem belíssimas são essenciais para compreender a nossa língua, as origens da nossa cultura e de toda a música popular portuguesa.
Um abraço.
Há quase meia hora que estou a olhar para a caixa de comentários sem saber o que escrever...
ResponderEliminarObrigado não chega...
Vou trabalhar e mais tarde responderei como sei melhor.
Pinguim, ainda bem que gostas. Conheço pouco mais da literatura medieval do que as Cantigas e A Demanda do Santo Graal.
ResponderEliminarQuanto à pergunta, confesso que não sei a resposta, mas terá que ver com as fronteiras do condado? Não, responde-me lá, vá!
Abraços
Special K, pois que a Uxía é excelente! Quanto ao currículo de português no secundário, este sofreu bastantes alterações nos últimos anos. Deixou de haver uma linha cronológica nos textos lidos e muitas coisas saltaram, desapareceram. Imagino que quem ainda estudou as cantigas não deva ter ficado muito positivamente impressionado (mas isso tem muito a ver com o professor que se teve e com o modo como foram ensinadas). Para mim, não foi imediatamente fácil perceber isso quando as estudei. A verdade é que ajudam imenso a contextualizar as nossas origens linguísticas e acabei por ficar fã, ao ponto de ter um ror de música medieval.
ResponderEliminarUm abraço
Rainha do Nada, nem sequer precisavas de escrever nada, até porque o meu objectivo não era paralisar-te nem impressionar-te. A minha homenagem é pequena, muito pequena. Nem te preocupes com isto, bastou-me saber que te lembras das impressões breves que trocámos.
ResponderEliminarUm abraço
É uma homenagem merecida. A Rainha é uma pessoa 5 estrelas! Estou cheio de saudades dela e do "condado" onde passei alguns meses restauradores. Um dia destes faço uma visita.
ResponderEliminarAbraços
Texto excelente!
ResponderEliminarParabéns!
Abraço:)
obrigado pelo momento cultural, pelo menos para mim permitiu me conhecer algo que ainda não conhecia, o que é sempre optimo :D
ResponderEliminarPaulo, obrigado por este texto esclarecedor, principalmente em relação à composição das cantigas e a esses dois pergaminhos. A gravação de Pedro Caldeira Cabral é fundamental, apesar de algumas interpretações discutíveis. O facto é que por cá não há ninguém ao nível de Savall e P. C. Cabral continua a ser uma referência importante da nossa música antiga.
ResponderEliminarTambém nutro uma simpatia especial pela Uxía. Agrada-me o seu interesse por músicos portugueses e as ligações que ela tem feito com alguns deles (este disco é muito bonito).
Agora, é uma grande lástima que não se aprofunde minimamente o estudo da poesia trovadoresca no nosso ensino. Fico sem palavras.
Abraço.
# X, eu seu que o Rainha é isso que dizes, apesar de não me ter restaurado como tu.
ResponderEliminarAbraços
# Kapitão, obrigado e um abraço também para ti!
# Swear Bear, sim, senti que estava a fazer aqui um momento cultural, mas desde que seja agradável...
# Paulo, eu fiquei impressionado quando aprendi que só em 90 se tinha descoberto mais um pergaminho com notações musicais.
Quanto às interpretações discutíveis, também concordo e Savall bate qualquer outro com muitos pontos.
Quanto à Uxía, estou completamente de acordo, e ao ensino... quem quiser que vá estudar literatura medieval, se possível, enquanto existir a cadeira nas faculdades de letras, porque pelo andar da carruagem e a valorização dada às humanidades um dias destes nem isso existirá (inclusive por falta de alunos, claro).
Outro abraço