Foi uma surpresa saber pelo Ípsilon de 24 de Agosto que Rosa Lobato de Faria tinha na forja um romance de temática gay.
Já tinha o livro cá em casa, quando Eduardo Pitta escreveu sobre A Alma Trocada, também no Ípsilon da passada sexta-feira (pode ler-se no Da Literatura). Fiquei realmente curioso e a leitura proporcionou-se quando chegámos à aldeia. Confesso que são raros os livros que leio de um só fôlego: têm de me cativar na medida certa, pela temática ou pelo estilo (ou pelas duas em simultâneo). Comecei a ler A Alma Trocada com a sensação de que iria gostar. Mas veio o sono (a minha mãe dormitava e o Zé idem), depois chegaram as minhas irmãs, interrompi. Pensei que o deixaria repousar na mesma estante onde tenho centenas à espera, porque estava a tropeçar constantemente no estilo. Fui para o quarto e continuei a ler. A temática foi mais forte e prendeu-me. Ao fim e ao cabo, Rosa Lobato de Faria prova que não é preciso ser-se para o escrever. Revi-me em muita coisa (até na atracção de Teófilo por Tinito) e acho que qualquer pessoa, sobretudo se for homossexual, encontrará pontos onde se reverá - seja o coming out, seja na relação com os pais, com os amigos, com o companheiro, com a profissão, com as dúvidas, com a morte, et cætera. Vale a pena lê-lo, embora não me tenha agradado o estilo inconstante, porque há momentos de escrita sublimes e outros que destoam do contexto. Há ainda um estilo na pontuação que me atraiu. Algumas gralhas não podiam ter passado, por exemplo: a perturbação causada pelas intercaladas longas: "talvez a minha mãe, na sua rejeição absoluta da minha sexualidade (não posso dizer, como se diz, opção sexual, porque não é uma opção) no horror ao seu filho mariquinhas, esteja o profundo desgosto de saber que não vai ser avó, que nunca poderá ser avó [...]", p. 60; ou na translineação de estrela da seguinte maneira: "Est-/ rela", p. 67.
Chegado ao final, tive uma surpresa e a certeza de que teria de gostar muito do romance, por causa de um pormenor completamente alheio ao enredo, aliás. Depois do nome da autora, a data: "16 de Janeiro [...]". Sim, tinha gostado. No silêncio da casa, levantei-me. Fui até à varanda, fumei um cigarro e ouvi a cacimba vinda do Zêzere a aproximar-se a passos silenciosas e rápidos. Já nem era possível ver as luzes das aldeias à volta e estava um frio húmido. Pensei na relação de Teófilo e Hugo. Quando acabei o cigarro, as luzes da aldeia tinham sido obnubiladas pelo escuridão da cacimba. O silêncio era total, como Teófilo, senti "um rasgão no peito, uma saudade de mim" (p. 19) . O mundo tinha adormecido e eu tinha um sorte danada por ter ali o Zé, ainda que no quarto ao lado. Sim, gostava que estivesse no meu e que não houvesse máscaras na nossa relação. Talvez um dia.
Chegado ao final, tive uma surpresa e a certeza de que teria de gostar muito do romance, por causa de um pormenor completamente alheio ao enredo, aliás. Depois do nome da autora, a data: "16 de Janeiro [...]". Sim, tinha gostado. No silêncio da casa, levantei-me. Fui até à varanda, fumei um cigarro e ouvi a cacimba vinda do Zêzere a aproximar-se a passos silenciosas e rápidos. Já nem era possível ver as luzes das aldeias à volta e estava um frio húmido. Pensei na relação de Teófilo e Hugo. Quando acabei o cigarro, as luzes da aldeia tinham sido obnubiladas pelo escuridão da cacimba. O silêncio era total, como Teófilo, senti "um rasgão no peito, uma saudade de mim" (p. 19) . O mundo tinha adormecido e eu tinha um sorte danada por ter ali o Zé, ainda que no quarto ao lado. Sim, gostava que estivesse no meu e que não houvesse máscaras na nossa relação. Talvez um dia.
Também vi o livro no Ípsilon, já tinha ouvido falar dele e estou cúrioso. Deverá ser uma das minhas compras amanhã na Fnac.
ResponderEliminarUm abraço.
Vale a pena. A história é interessante e consegue manter a curiosidade. Faltou-me dizer que o facto de ser escrita na primeira pessoa, torna ainda mais apelativa a leitura. Assume o tom de autobiografia, uma ficção autobiográfica, claro. Boa compra e boa leitura!
ResponderEliminarÉ um livro a não perder, pois seria impensável há uns tempos atrás supor que RLF iria escrever um livro sobre homossexualidade; são estes pequenos promenores da vida que me dizem que algo está realmente a mudar, finalmente...
ResponderEliminarAbraço.
Pinguim, concordo plenamente com o que dizes: é importante, muito importante que pessoas não conotadas com a coisa escrevam sobre ela!
ResponderEliminarNão sabia e fiquei muito curioso.
ResponderEliminarA ver se compro o dito.
Seja bem-vindo, Graduated Fool! Compra que vale a pena, até porque não é todos os dias que sai um romance desta temática em Portugal de um(a) escritor(a) português(a). Abraços
ResponderEliminaracabei de o ler...os meus conhecimentos de português não me permitiram ver as gralhas...sobre a inconstância da escrita, acho que pode ter sido propositado, pela inconstância dos próprios sentimentos e cenários...ela era acima de tudo poeta, e é assim que me deixo interpretá-la, não sei se será contudo o mais correcto...ou será somente alguma benevolência:-)
ResponderEliminarnão obstante, gostei bastante do livro...e senti exactamente isso: "O mundo tinha adormecido e eu tinha um sorte danada por ter ali o...", no meu caso o Eduardo ( que é mais Teófilo do que Hugo:-)
abração