segunda-feira, 22 de outubro de 2007

..:: infância revisitada (extra 2 e fim) ::..

Sem espaço para pedir que me comprassem fosse o que fosse, recordo-me de ter visto na vila outros garotos a comerem uma coisa que também queria provar. Vi-os a comer tão deliciados que tentei, insisti e lá consegui obter aquilo a que mais tarde soube chamar-se iogurte. A minha mãe lá me comprou um, mas foi uma desilusão e não percebi como é que os outros meninos viam naquilo algo de extraordinário. Sabia-me tão mal. Julgo ter desconfiado que a minha mãe me tinha enganado e que não comia a mesma coisa que os outros meninos. Devo ter repetido o pedido uma segunda vez e a experiência repetiu-se, aprendi a nunca mais pedir iogurtes. Só recentemente me recordei do episódio e percebi que a minha mãe me tinha comprado iogurtes naturais, talvez porque era mais barato.

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Outras cinco memórias recuadíssimas que me falharam na lista de acontecimentos anteriores. Esqueci-me de elencar:
1) o ferro de engomar da avó que era aquecido com brasas. Sabem, com certeza, como são: aquecem-se brasas que, quando incandescentes, são colocadas no ferro de ferro. Davam um trabalhão e pela reacção da avó mais valia não engomar nada.
2) O medo que tinha em ficar sozinho: acordava da minha sesta diária nos meus dias sem responsabilidades e normalmente a família andava no campo: chamava, se ninguém respondia, entrava em pânico, achando que me tinham abandonado. Era horrível e aconteceu diversas vezes.
3) Uma vez, eu e a minha irmã tivemos de fugir e refugiarmo-nos em casa para escapar ao nosso avô paterno, que, senil, nos ameaçava matar. Estava furioso connosco, chamava-nos filhos do demo, porque provavelmente o tínhamos provocado. Já antes tinha partido um tijolo aos pedaços para nos fazer pontaria. Apanhávamos cá com cada susto. Depois, quando a minha mãe chegava, ainda a tínhamos de ouvir.
4) Fui, com esta minha irmã, operado para extracção das amígdalas. Tivemos de ir a Coimbra, tendo ficado uns dois dias no hospital. Não termos ali os nossos pais deixou-nos muito tristes e abandonados. A mãe de outro menino teve pena de nós e comprou-nos gelados, a única coisa que podíamos comer, e fez-nos alguma companhia. Naquela altura, parecia que o tempo não passava e revermos a nossa mãe para voltarmos para casa foi uma salvação e o fim da agonia. A dor na garganta, essa aguentava-se bem desde que estivéssemos em casa.
5) Quando éramos pequenos, e eu sou 5 anos mais novo que a esta irmã mais próxima na idade, dormíamos com os pais. Não era muito frequente, mas era um acontecimento. Acontecia quando estava mais frio e ficávamos a dormir aos pés deles. Não me lembro se cheirava mal – acho que não – mas ouvíamo-los queixar-se que lhes tínhamos posto os pés a descoberto. Aquilo era tão estranho que nos deliciávamos.
Só mais um aparte (definitivamente, o último): esta minha irmã estava incumbida de cuidar de mim e, não sei se por isso ou se pelo que mais tarde partilhámos, ou se por tudo somado, sempre a vi como a minha segunda mãe. Damo-nos bem, apesar de ser escorpião (ah, somos 6 irmãos e nenhum signo se repete), com uma personalidade forte e um feitiozinho muito especial. Foi ela que, quando nasci puxado a ferros, me quis dar o nome, mas a minha mãe achou que era muito atrevimento e teimosia para uma menina de 5 anos, e que esta só tinha de respeitar a sua sábia decisão. Portanto, a minha mãe pôs-me Paulo e a minha irmã pôs-me o nome do santo que domou o dragão e salvou a dama. Nada de original, contudo, para ela deve ter sido uma desilusão e uma conquista. Apesar de vulgar, orgulho-me de ter o nome escolhido por estas duas mulheres da minha vida. Reconheço que esta irmã deixou de viver muita coisa por minha causa, porque eu era da sua responsabilidade: sou-lhe eternamente grato. Ela sabe disso, tal como deve perceber muitas coisas de que não falamos. A nossa ligação ancestral permanece ainda muito forte e ultrapassa todos os silêncios.

6 comentários:

  1. Gostei muito de ler as tuas memórias de criança. Já agora também fui operado às amigdalas em Coimbra.
    Gostei dos pardais.

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  2. Special K, mais uma em comum. Engraçado, como as experiências se repetem. Provavelmente, tu foste antes de mim, não me lembro do ano. Não gostei da experiência.
    Quanto aos pardais, foi um golpe de pura sorte, no jardim das oliveiras no CCB.
    Abraços

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  3. Pois eu lembro-me do ano foi em 1977 foi antes da tua concerteza. Uma operação nunca é uma experiência que deixe recordações alegres.
    Um abraço

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  4. Special K, eu não faço ideia quando foi, mas deve ter sido por volta de 80 e tal. Um abraço

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  5. A questão dos nomes é curiosa; há quem goste do seu nome e quem não goste; e há por vezes as modas, curiosamente algo estratificadas socialmente; nunca vi um Martim num bairro pobre e acho que não haverá Cátias Vanessas no centro de Cascais...
    O porquê dos nomes também é curioso, funcionando aqui muito os nomes de familiares. Eu gosto de nomes comuns, vulgares, como José, João, Pedro ou Paulo, ou Maria, Luísa ou Teresa.
    Tenho um nome formado pelos nomes do pai e do avô, e confesso que gosto muito do meu nome.
    Abraço.

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  6. Pinguim, o nome é mesmo um dado muito importante na construção da identidade de cada um, por identificação ou recusa. E há as modas sociais, claro que há. O mais engraçado é que essas modas variam conforme as décadas e não só por causa das novelas. Agora, os nomes antes muito populares são os mais chiques. Não sei se alguma vez haverá alguma Cátia Vanessa na Lapa ou em Cascais... Eu também gosto muito do meu nome, apesar de vulgar, mas conjugado com os apelidos não é assim tão comum, apesar do BI dizer que há mais dois. Enfim, não podemos ser originais em tudo...
    Abraços

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