terça-feira, 2 de outubro de 2007

..:: as cores da noite ::.. Esseme e Apê *

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Este texto é um prolongamento desta homenagem à Joãozinha. Com efeito, reencontrar-te, Joãozinha, fez com que caísse directamente no precipício do passado (será também das cores do Outono?). Vale-me a estratégia involuntária de apagar da memória os episódios mais traumáticos. Quer dizer, sei que estão cá, mas aquilo a que consigo aceder é absolutamente insignificante perante o sofrimento desses momentos. Não tens culpa de nada, Joãozinha, mas lembrei-me de que há precisamente 9 anos deixei para trás o Esseme e o Apê. Foi em Madrid, a 4 de Outubro. Também soube por ti que o Apê acabou por abandonar o Esseme. Achava eu que isso jamais aconteceria. O Apê subiu na minha consideração. Apesar de desconhecer como aconteceu, fez o que eu fiz, só que muito tempo depois. O Apê fará anos em breve e o Esseme logo a seguir. Perdi-lhes o rasto, embora gostasse de os reencontrar. Com o Esseme, acho que está tudo resolvido; com o Apê sinto que não. Preciso de pôr um ponto final no tumulto que vivemos.
Num poema que me escreveu o Apê, dizia-me ele que um menino Bonito e Alegre se tinha esquecido do Carrinho Azul num jardim, que veio outro e quis ficar com ele. A verdade é que eu, o menino Bonito e Alegre, nunca abandonei o Carrinho Azul, foi este que quis abandonar-se. Foi o Carrinho Azul que quis ser esquecido.
Achava eu que tinha uma relação séria com Esseme. Depois de uma bela discussão, com ou sem lágrimas, era inevitável acabarmos na cama com estrelas muito mais brilhantes no nosso céu. Tínhamos um problema de comunicação. Eu era pedra em bruto e o Esseme quis esculpir-me à força, o que comigo, em definitivo, não funcionou nem funcionará. Um dia, Esseme chegou-se à minha beira com um vulcão nas mãos: tinha conhecido um tipo. Não percebi o que dizia nem o que estava a acontecer. Tratava-se de um conhecimento mais profundo e repetido. Esseme convenceu-me a conhecer o Apê, porque amava os dois e não queria prescindir de nenhum de nós. Decidiu não optar e fazer uma aposta numa relação a três. Acabei por ceder: conheci o Apê, achei tão bizarro ter-me traído com aquele meia-leca. Não via nada dele que me pudesse atrair. Acabámos por brincar um bocado e ensaiamos uma relação a três que durou ano e meio e o balanço final não foi muito positivo. Em resumo, já tive a minha dose de gajos complicados. Se é difícil conjugar duas vontades, com três, apesar de pontualmente muito interessante, a coisa complica-se muito. Se calhar, gostava que tivéssemos brincado com mais frequência, mas o Apê também não me achava piada: amava o Esseme e não o Paulo. O Paulo acabou por gostar do Apê e foi a merda total. Quando a paixão apareceu, Apê não deu sinal de querer aprofundar a coisa e a não correspondência levou-me ao desespero e comecei a sentir-me a mais. O triângulo, para o ser, tem de ter três lados que comunicam e se possível equilátero. Conclusão: o Esseme tinha dois namorados que gostavam dele, mas que a certa altura não suportavam partilhar o mesmo espaço e o mesmo homem. Ambos sofremos, sem necessidade, por causa do mesmo gajo. E para quê, Apê? Se eu nunca tentei ser um obstáculo à tua felicidade? Simplesmente por existir? Tanto sofrimento por tua causa, Apê! Porque houve paixão, porque as brincadeiras eram duma intensidade que eu até então não julgava poderem existir.
Aguentei demais, até a auto-estima tocar no subsolo. Teve de aparecer o Jotavê em Julho para que eu percebesse que não era um boneco e que podia dar e receber muito prazer. Podia ter sido uma facadinha, uma queca sem importância, mas não! Foi absolutamente decisiva para tomar a decisão de seguir em frente. Foi depois do fim da Expo 98. Lembro-me tão bem: quis rever o Jotavê, fomos com amigos, assistir ao fogo de artifício num mar de gente. Depois, dia 2 de Outubro, segui com o Esseme e o Apê para Madrid. No sábado, foi o início do fim, percebi que estava no filme errado e no domingo acabou a minha participação naquela novela mexicana. Foi assim que em Madrid o triângulo se desmembrou. Finito. Ponto final. O Apê que aturasse o Esseme o tempo que quisesse, desde então era todo para seu usufruto. O meu vício de Esseme e Apê haveria de passar. Custou-me a paz de muitos dias, muitas angústias e cabeçadas na parede. Mas passou.
Esta foi uma das experiências que mais me marcou e que me fez desconfiar muito da vida e dos homens. No Zé, encontrei o oposto: a paz, a serenidade, uma nova necessidade de confiar totalmente, sem receio de ceder, a certeza de que o equilíbrio é possível. Não há nada que pague isso.

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket[Desenho obsessivo-geométrico do Apê]

Mantenho todas as cartas que vós me enviastes, Esseme e Apê. Mais não seja para me lembrar que não aguento mais experiências deste calibre. Fiquei vacinado: ou há reciprocidade nos sentimentos ou o melhor é esquecer.
Do final da carta que enviei ao Esseme, cujo título era Iguaçu:
Por isso eu termino esta missiva. Espero que não a tenhas lido toda mas que a tenhas lido bem. Com um abraço, beijos, sei lá, o que mais desejares. Ciao. Não sei como terminar. Uma vez disseste que aquela seria a última leitura. Neste preciso momento, estas são as minhas últimas palavras para ti. Se mais algumas houver, não serão de certeza como estas nem serão de amor como foram muitas que te escrevi outrora. As últimas. Agora, é o vazio...


* Os nomes são em parte máscaras, porque não sei como reagiriam se lessem este texto. Em todo o caso, espero que o leiam.


14 comentários:

  1. Li este texto com um arrepio. Senti-me muito sozinho no meu sofrimento. Já percebi que tinhamos muitas coisas em comum mas agora deparo-me com um texto que poderia ter sido escrito por mim. Essa é também a minha história. Percebo que nas conversas que tivermos poderemos trazer muita paz de espírito um ao outro (ou pelo menos tu a mim, a minha experiência foi mais recente). A experiência por que passamos não foi fácil. Vou dizer-te aquilo que gostaria de ouvir: Tomaste a decisão certa. Sofreste muito mas esse sentimento permitiu-te crescer e hoje és decerto uma pessoa melhor, por isso nada foi em vão. E nós tivemos a coragem de fazer o correcto.
    Abraços

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  2. Amigo Paulo
    conheço-te, daqui da blogosfera, há muito pouco tempo, e nada mais. Mas, como geralmente faço, pelo que as pessoas vão deixando como testemunho, vou compondo um retrato da pessoa, que vai ficando progressivamente mais nítido.
    Com este teu texto, muito pessoal, e no qual não quero , nem devo emitir opinião, facilitaste muito a composição desse retrato e posso dizer-te que estás a ficar muito bem, nessa foto.
    Complicações e desilusões afectivas, todos fomos tendo, mas quando decidimos, e decidimos com a convicção que damos o passo certo, ficamoa aliviados; às vezes custa muito, mas é necessário.
    Um abraço forte.

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  3. X, para escrever este texto também me arrepiei. Acho que se nota isso, embora, de há alguns anos a esta parte, as coisas se tenham pacificado. Culpa da Joãozinha que me levantou as memórias :)
    Percebo-te muito bem: também me senti muito abandonado e sozinho. Interiorizei muito o sofrimento e a agonia que sentia sublimava-a como podia, nomeadamente na escrita, na leitura, nos estudos e nos momentos em que estávamos juntos (os dois ou os três). Os amigos foram importantes, sobretudo depois, quando acabei. Ao fim e ao cabo, foi uma aprendizagem importante, porque, como já disse, me fez mais forte e rebiteso.
    Tenho a certeza de que há muitas histórias assim, embora a minha tenha durado tempo demais para as forças de que dispunha na altura. Mais, só tenho pena de não ter saído antes: ter-me-ia poupado a algum sofrimento extra (e a eles também). Sim, se quiseres, pudemos conversar sobre o assunto, do que ainda me lembrar :), pode ser muito libertador!

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  4. Pinguim: já tinha registado o episódio a que chamei "crónica de um fim anunciado". Este texto é de agora, das minhas impressões da relação em geral e está deturpado pelo tempo e pela subjectividade, mas se fosse de há anos atrás seria muito mais negativo :)~
    Aqui exponho-me mais, é verdade, é muito pessoal o que conto. Diz-me o Zé que escrevo sobre coisas demasiado privadas. Se calhar é verdade, mas I'm at the point of no return :) Alguns amigos sabem da história e cheguei a um ponto em que acho não precisar de fazer reserva sobre mim ou o meu passado.
    Quanto ao retrato de mim próprio, ainda não está completo, mas vai ficando. Depois acho que ficarei sem assunto. No momento, faz-me bem expulsar estes demónios do meu capote! :)
    Um abraços também para ti.

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  5. Paulo, antes de mais: és um corajoso. Muito há a dizer sobre toda essa experiencia - marcante e complexa, sem dúvida-, mas não agora e aqui. Acho que com a maturidade lidamos melhor com o que fomos e somos. De qualquer forma, parece-me que, os retratos serão sempre inacabados. Abraço Grande (Grande corajoso, sim senhor! no return, no return...)

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  6. Olá Paulo,
    Muito te poderia eu dizer, mas precisaria parar todos os relógios para que nenhuma palavra se perdesse nos segundos das horas.
    Tu não és o último mártir, muito menos eu. Somos como somos e continuaremos a ser, muita coisa mudou na vida e sei que não voltaria a repetir algumas coisas. Tenho um muro muito alto que não me deixa ver o jardim onde um dia encontrei um carrinho azul, que se tinha perdido para sempre.

    um abraço do Apê

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  7. Belissimo texto. cheguei ao teu blog pelo "i'm at the point of no return". N�o te conhe�o, efectivamente. No entanto, desejo que tenhas ultrapassado esses sentimentos de amores perdidos. E que estejas feliz neste momento, por muito e muito tempo. Claro que toda a gente merece ser feliz. No entanto, quem sofreu amores amargos, merece felicidade a dobrar.

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  8. Espero ter a lucidez suficiente :) para responder aos comentários que recebi. Cheguei agora e vejo que há um do Apê. Bom, primeiro, responderei ao Dário, para respeitar a ordem. Dário, corajoso? Olha que não, mesmo assim agradeço o elogio e retribuo o abraço apertado: isto saiu mesmo para me libertar e, agora, deixou de ser meu. Há muito que não sofro com o que aconteceu e que está enterradíssimo. Como me disse, no outro dia, uma desconhecida: eu nasci para ser feliz, era essa a minha missão. E mais nada!
    Não sei se serei maduro, mas não me preocupo com isso. Se calhar a idade devia indicar que sim, mas o Zé faz-me sentir uma criança. Resumindo: somos dois putos perdidos um no outro e isso basta-nos. Como diz a Cidália: «Oh God, make me good, but not yet!"

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  9. Se calhar precisava de ter a certeza que aquele muro era o mesmo do Apê, não sei. Espero que sejas mesmo tu e não outro Apê qualquer. Mas cá vai:

    Havia tanto a dizermos, de facto. Sinceramente, sobre o vivido em conjunto já não me apetece dizer mais nada, acabou e pronto. Portanto, os relógios continuam a andar à sua velocidade constante e não quero voltar atrás. Não escrevi o texto para isso. Se calhar, isto é mais um lamento: de não ter saído mais cedo, de te ter feito sofrer tanto, de me teres feito sofrer tanto, do Esseme me ter feito sofrer tanto, etc. Não quero chover no molhado, Apê. Os mártires vão para o céu e depois para o altar, coisa que não faz o meu género. Lamento ainda se deixei passar essa imagem do mártir que não quis e não quero ser! Eu sei que consigo ser uma besta quando quero. E fui-o.
    Quanto a repetir algumas coisas: sintonia de pensamento. Como escrevi, fiquei vacinado: a entrega só com reciprocidade. Não procuro mais.
    Gostava, isso gostava, de te ver, se sentires necessidade disso. Se não, ficamos por aqui.

    um abraço do Paulo

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  10. music is my radar, obrigado pelo elogio! Eu às vezes também não sei quem sou :)) e os amores perdidos ficaram num bosque cerrado. Definitivamente.
    Ah, acho que não fiquei mais amargo por causa desta relação. Evolui muito, quis ser optimista, sorrir, não fazer sofrer (apesar de o ter feito, involuntariamente), de seguir sempre em frente. Tomara que toda a gente seja feliz e viva pacificamente. Sobretudo, os que foram feridos.
    Um grande abraço também para ti!

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  11. Como também acho, que não há necessidade de prolongar o passado, fiquemos por aqui.
    Lá fora chove e eu tenho medo de me molhar, pode ser que nos encontremos quando houver mais sol.

    sou mesmo eu, o meia-leca... Não me lembrava já do desenho, pois tenho produzido muitos outros.

    Um abraço do Apê

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  12. Sim, o meia-leca foi mau :) mas foi o que pensei quando te vi, mal sabia a força do vulcão...
    De resto, nada contra: o passado que continue onde ficou. Podia dizer-te para não teres receio da chuva, mas não te quero abrir feridas (se é que ainda as tens e espero que não!). Não vale a pena remexer no passado e quem anda à chuva molha-se. Basta-me saber que estás bem! Assim, a minha missão contigo acabou. Que sejas feliz! Muito feliz. O resto não importa.

    Um grande abraço do Paulo
    P.S. Continuo com o mesmo número de telemóvel, se.

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  13. Querido Paulo,
    só para te dizer que à medida que vais postando e à medida que te vou lendo e te vou conhecendo um pouco mais, vou gostando cada vez mais de ti.
    Fico feliz por teres encontrado a tranquilidade que mereces, o Amor e o equilíbrio possível.
    Com este teu post quase quase me fizeste ter medo de tentar o que ainda não experimentei. Mas foi quase :)
    Um beijinho para ti,
    D

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  14. Denise, tendo-nos conhecido num contexto, digamos, tão formal... acredito que te possa surpreender, ou nem tanto. Afinal, continuo a ser o mesmo, mas mais assumido e feliz, MUITO mais tranquilo que há uma década atrás! Aliás, fico feliz por todas as reacções, inclusive a do visado Apê, que podia simplesmente não ter dito nada.
    Quanto a experiências: não queiras morrer ignorante: é delirante, excelente, acima das estrelas... sei lá. Mas também depende dos seres envolvidos :))

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