domingo, 18 de novembro de 2007

..:: as cores do passado ::.. Manuela

Tinha o texto sobre a Manuela guardado para outra ocasião. Mas graças ao comentário que o Taralhouco Anónimo me deixou aqui, cheguei ao seu blogue e, mais concretamente, ao texto "Sobre a homofobia". Portanto, parece-me um bom momento para deixar o meu testemunho em como até tentei ser hetero, mas debalde: percebi, afinal, que não tinha nada para curar, corrigir ou sarar, só tinha de assumir o que desde há muito me atormentava, perceber-me e seguir em frente. Ah, mas não foi nada fácil, nada mesmo, mas sobrevivi (tenho sobrevivido).

A morte (o passado), o horror e a dor (do confronto com a realidade)
Fotografia minha de um pormenor do Compianto sul Cristo morto de Niccolò dell'Arca (Séc. XV), em Bolonha, Igreja de Sta Maria della Vita
(outras fotos e informações aqui)


*****

Francófona, a Manuela dizia um chorrilho de asneiras em francês, o que era imensamente chique. Palavrões em francês sabem a chocolate com pimenta. Quem não achava piada nenhuma eram as minhas colegas e amigas: a Inês corava, a Diana em choque sem se admirar com nada, a Lina respondia à letra mas em português com sotaque transmontano com mirandês à mistura, a Vânia nem respondia, a Giana afastava-se. Era o delírio. O nosso namoro começou porque ela me deve ter achado graça e eu ainda vivia no limbo. De um desafio dela, começámos. Sempre resistiu às minhas investidas e evitava-me quando o assunto resvalava. Ao fim e ao cabo, acho que ainda lhe dei alguma paz e auto-estima (pelo menos satisfaz-me pensar isso).
No Verão de 95, vi um filme decisivo na Cinemateca. Sinceramente, não posso dizer a certeza, mas acho que foi Querelle (para variar não consigo encontrar nada que o prove).
Quando regressámos do Verão, tive a certeza de que ela não tinha percebido nada da carta que lhe tinha enviado. Fiquei desiludido, mas acabei na mesma. Ela quis saber as razões, como não lhas dei, não me falou mais. Julgava ela que o motivo radicava na sua negação ao sexo; para mim, mandar-lhe um texto escrito em papel com gajos nus e com erecções descomunais era a exposição do óbvio.
Por essa altura, a Joãzinha ainda sofreu um bocado porque a Manuela resolveu persegui-la por achar que eu a tinha trocado pela Joãozinha. Oh, como há gente cega! Meses depois, veio até mim e disse-me que tinha percebido tudo. Ok, finalmente e escreveu-me um texto onde dizia que eu beijava mal e mais não sei quê. Paciência. Soube ainda que, depois de tanto teatro, ela gostava mesmo era de mulheres (provavelmente, sempre tinha gostado). Fez-se-me luz e tive a certeza: cruzámo-nos para tirarmos dúvidas, termos a certeza de que não era aquilo que queríamos e assumirmos sem traumas. Missão cumprida. Até acho que foi muito pacífico. Só lamento não ter experimentado o que, posteriormente, não voltei a querer experimentar.

"Each man kills the thing he loves" e uma montagem a partir de várias cenas célebres de Querelle


12 comentários:

  1. Ena, ena, o que vou descobrindo sobre ti! Primeiro não te sabia homossexual, depois achei que nunca tinhas tentado uma relação hetero, e afinal descubro-te uma antiga namorada! É graças a estes avanços e recuos que consolidamos o que realmente somos e ainda bem que tudo terminou muito bem. Só não entendo uma coisa, se bem percebi a Manuela veio a assumir-se como lésbica, mas no texto «sobre a homofobia» afirma o contrário. Onde me perdi?

    Quanto à experiência que nunca tiveste, não lamentes. Acredito que poderia ter acabado pior. Penso eu de que.

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  2. Gostei do teu testemunho e vejo que eu tive um percurso muito diferente nestas coisas, relativamente à maioria ... nunca tentei debater-se contra um evidência que sempre tive, nem sequer camuflá-la de algum modo ... mas conheço muitas experiências semlhantes à tua, é verdade.
    o filme "Querelle" foi dos filmes mais sexuais que até hoje vi ... toda a ambiência, os comentários, a interacção entre as personagens, as próprias personagens ... esse filme é de facto um hino à homossexualidade na sua vertente mais sexual mesmo.

    Pronto, confesso que não gosto nada de francês, aí estamos em desacordo

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  3. Denise, já te tinha dito que foi uma surpresa saber que só tinhas descoberto a minha orientação pelo blog... o namoro foi muito breve, só durou alguns meses. A Manuela só me confessou o que sentia mesmo depois de eu terminar (o texto "Sobre homofobia" não é meu! é do taralhouco anónimo). Acho que o processo foi muito semelhante: ambos sabíamos, mas foi um desafio.
    Quanto à experiência: sou dos que acha que é melhor experimentar e não gostar do que morrer ignorante. Sempre podia ter gostado, sabe-se lá, e não continuar para lá virado.

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  4. Brama, já escrevi bastante sobre o meu processo de auto-reconhecimento e esta experiência nem altera muito o que disse, ou seja o debater-me ou não contra uma evidência. Para mim, nunca foi uma evidência: só adolescente e na faculdade é que reconheci e me rendi, definitivamente. Portanto, acho que tiveste sorte!
    Eu continuo a gostar de francês e a perceber muito pouco :)

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  5. Asneiras em Francês...rolam maviosamente...nisso tenho de concordar ctg...!
    a imagem a chocolate com pimenta...é algo deliciosa lexicalmente!:)

    Não há aqui que tecer comentários acerca da formação de alguém...
    Cada um é como é...e o seu caminho é diferente e válido para si próprio!

    O que interessa é que se chegue a um patamar de vida em que cada um se sinta bem por estar onde e como está!...

    :)

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  6. Hydra, gosto palavra mavioso, mas tb de muitas outras. O percurso fez-se e faz-se caminhando. Como não parei, continuo.

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  7. Tava aqui a fazer um comentário todo catita em francês quando, zás!, esfumou-se. Agora vai em português e directamente ao assunto:
    Homem, sei que não foste tu que escreveste o dito texto. o que me baralhou foi ter percebido que a M. se assumiu como lésbica e ter pensado também que é ela a autora do blogue taralhouco anónimo que diz que é hetero.
    Olha, se isto te baralha esquece, acho que estou a precisar de descansar :)
    Também gostei muito da imagem a chocolate com pimenta!
    Beijinhos

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  8. Já tenho saudades do francês!... que pena ter-se esfumado!
    Não, a Manuela nada tem que ver com o texto do Taralhouco (acho eu... porque não conheço o autor).
    Acho que estás mesmo a precisar de descansar... eu também!
    Beijinhos e abraços

    (gostava de saber porque mando beijinhos só às meninas e abraços aos meninos... vou passar a mandar beijinhos a todos e abraços idem!)

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  9. Amigo Paulo
    também eu desconhecia esse bocadinho do teu passado, mas que é tão importante como todos os outros bocadinhos que te levaram ao homem que hoje és.
    Por intermédio deste teu blog, tomei conhecimento do blog do Taralhouco, e fui fazer-lhe uma visita 8afinal também é um "pinguim").
    Finalmente, uma palavra para o inolvidável "Querelle", com dois dos actores mais belos que o cinema já me deu a conhecer: o precocemente desaparecido Brad Davis e o hoje já entradote, mas sempre sexy Franco Nero.
    Abraço.

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  10. Pinguim, este episódio foi tão rápido (pelo menos olhado à distância...) que foi só uma experiência importante mas sem grandes consequências.
    Quanto ao Taralhouco, é um pinguim um pouco estrábico :))
    Brad Davis é belíssimo! e Franco Nero tem cá uns tão olhos perfuradores...
    Abraços

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  11. Tenho de confessar que tb tive as minhas querelas (muito suaves) com a Manuela, que cobiçava as mulheres que andavam sempre com o Jorge (eu, a Giana, a Diana), dizia que ele era um "sortudo" (nunca ninguém descobriu a orientaçao dele para saber se era sortudo, mas enfim...).

    Beijos da monga.

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  12. Monga!!! Quantas saudades! Não imaginas como me sinto apertado quando te imagino aí sozinha, entre documentos, padres, japoneses e poucos romanos!:)
    Ah, nunca me lembro que também conheceste a Manuela! Essa de ela invejar as mulheres do Jorge é o máximo! Quanto à orientação do Jorge, ainda tens dúvidas? Enfim... :)

    Beijinhos cheios de saudades!

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