domingo, 11 de novembro de 2007

..:: palavras que nos salvam ::.. André Benjamim # 7

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Recordo primeiro o Sébastian. Ele foi a casa onde eu podia voltar sempre que quisesse, o postigo onde me podia refugiar sempre que precisasse, o lugar quente e familiar onde me senti protegido das flechas e lanças selvagens do mundo. O sítio onde não havia saudade, havia presença. E isso bastava. A âncora que me permitiu afastar-me do barco, à descoberta da tempestuosa ilha da vida. Ele partiu. Rumou para outro porto, talvez longínquo, talvez confortável e aconchegante, navegando no eterno barco que transporta os seus ocupantes num único sentido. Não regressará jamais. Ainda o espero. Sentado junto ao parapeito da janela da sala olho o cais invisível. Aguardo a aparição de um vulto no horizonte infinito da extensa planície. Sei que ele empreendeu uma viagem sem retorno, mas não me convenço. Espero pelo amanhecer ansioso, toda a madrugada. Pelos caixilhos da janela entram tímidos os primeiros raios de luz. Ele não regressará. Vou dormir.
[André]

André Benjamim »» Os Cadernos Secretos de Sébastian »» Vila Nova de Gaia: Editorial 100 »» 2006 »» p. 187

6 comentários:

  1. (...)

    Abraço.

    P.S. Repara na na anotação seguinte (a 90) ele, o André, acorda!...

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  2. 90
    Lembro depois o meu amor impossível. Haverá algum dia algum amor possível? Porque a cama está vazia. Porque no seu lugar há ausência flutuando, entranhando-se no meu corpo através da sua respiração calma. Talvez já se tenha levantado. Penso que talvez já se tenha levantado; o calor do seu corpo extinguiu-se. A cama está fria. Ergueu-se durante a madrugada e partiu, deixando apenas as palavras paradoxais:
    - É impossível realizar um amor tão grande. Amo-te demais para te amar. Este amor prende-me, não me liberta; tenho que partir… - Silêncio. – Entendes?
    «Não! Não entendo!» Mas não lho disse. Engoli em seco e calei-me. Resignação.
    - Sou demasiado feliz contigo. Uma felicidade opressora. É como se tivesse tudo. Quando se atinge a plenitude, nada mais há a procurar, a vida perde o sentido!
    Sim. De igual modo quando se perde tudo. Qual o antónimo de plenitude? Solidão? Para sempre.

    André Benjamim »» Os Cadernos Secretos de Sébastian »» Vila Nova de Gaia: Editorial 100 »» 2006 »» p. 188

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  3. E como é que ele pode ter acordado, se na anotação anterior não fora dormir antes que "pelos caixilhos da janela entrem tímidos os primeiros raios de luz"?

    Abraço.

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  4. Isso gostava eu de saber. isso e muitas outras coisas que para mim continuam enigmáticas. Houve momentos em que achei que André e Sébastian até eram o mesmo, portanto...

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  5. ah ah ;)

    http://andrebenjamim.blogspot.com/2007/11/os-nufragos-v.html

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