Há precisamente um ano. Não gostei nada da notícia, embora não fosse propriamente uma novidade inesperada.
Na primeira aula que dei depois da sua partida, fiz um pouco de teatro: não cumprimentei os alunos como habitualmente e não segui os procedimentos comuns. Eles perceberam que havia algo. Escrevi o poema no quadro em caligrafia gigante:
Na primeira aula que dei depois da sua partida, fiz um pouco de teatro: não cumprimentei os alunos como habitualmente e não segui os procedimentos comuns. Eles perceberam que havia algo. Escrevi o poema no quadro em caligrafia gigante:
Queria de ti um país de bondade e ternura,
Queria de ti um mar de uma rosa de espuma.
Queria de ti um mar de uma rosa de espuma.
Por baixo:
Mário Cesariny
9 de Agosto de 1923
26 de Novembro de 2006
9 de Agosto de 1923
26 de Novembro de 2006
Lembravam-se de terem visto nas notícias, mas nunca tinham lido nada. Pus então a música com a voz desdentada do poeta (chegou a altura de accionarem o play do leitor aqui em baixo, sim isto hoje não é automático!):
Depois, ainda li mais uns dois ou três poemas e passei-lhes os livros que tenho dele com alguns poemas estrategicamente assinalados (incluindo o famoso que alude às preferências de Álvaro de Campos).
Tentei perceber o que sabiam dele: achavam que tinha sido largamente reconhecido. Desfiz-lhes essa ideia, falei de algumas vicissitudes e da falta de reconhecimento, inclusive (e sobretudo) devido à sua orientação sexual que nunca mascarou. Houve um murmurinho que foi muito breve.
Tinham sido comovidos e eu tinha, portanto, ganho o dia.
Tentei perceber o que sabiam dele: achavam que tinha sido largamente reconhecido. Desfiz-lhes essa ideia, falei de algumas vicissitudes e da falta de reconhecimento, inclusive (e sobretudo) devido à sua orientação sexual que nunca mascarou. Houve um murmurinho que foi muito breve.
Tinham sido comovidos e eu tinha, portanto, ganho o dia.
Um "cadavre exquis" portanto...de sentimentos e emoções que foram passados... o poeta não se poderia ter sentido mais grato...e homenageado.
ResponderEliminarBeijos mil.
acho que apesar de tudo os teus alunos têm razão: pelo menos nos últimos anos, não faltou reconhecimento público (do oficial e do outro) ao Cesariny. e ainda bem que ele não foi mais uma vítima da nossa habitual e invejosa e muito mesquinha glória póstuma. claro que não me estou a esquecer do resto da biografia, sobretudo da anterior à liberdade. mas dá-me sempre a ideia de que o Cesariny gozou sempre, e muito, como um safado. e essa ideia de certo modo apazigua.
ResponderEliminaro que não apazigua é o incêndio que continua a lavrar no lugar da sua ausência, no secreto orgulho que sentíamos por, apenas por termos o Cesariny, sermos um país despenteado.
tolera-me uma vaidadezinha: fui ver esse link que puseste com a notícia e estou lá.
abraço,
miguel (innersmile)
Vanessa, cadáver esquisito é mesmo uma boa definição do que aconteceu. Além de que como saiu do normal funcionamento e nem tinha nada a ver com a matéria que estávamos a dar na altura, eles adoraram e ficaram a achar que eu era meio louco. Mas não faz mal, porque depois tiveram a confirmação :)
ResponderEliminarbeijinhos
Miguel, continuo a achar que o reconhecimento chegou tarde demais. Não sei até que ponto terá gozado como um safado :), mas espero que seja verdade, tinha uma ar reguila, de facto.
ResponderEliminarO que dizes sobre a sua ausência é brilhante e muito lúcido!
Não sei como se faz, mas gostava de te engrandecer a vaidade, mais não seja pelo caminho longo que tens percorrido.
Um abraço!
Olá... Enquanto jornalista, fiz a cobertura de uma leitura pública de alguns poemas de Cesariny pelo Diogo Dória. Cesariny esteve presente e, no fim, há um senhor de uns 80 anos, conhecido por aqui por aproveitar todas as ocasiões para declamar as suas quadras popular, pede a palavra e começa a declamar. No fim, Cesariny vira-se para ele e, suspirando, diz: - ah se eu tivesse menos 20 anos, já não me escapavas. Resultado: risota entre alguns happy fews.
ResponderEliminarJá agora sabes se há há venda algum CD com os poemas declamados pelo próprio? Sei que, pouco antes de falecer, gravou algumas coisas com o Rodrigo Leão não sei é se esse material está editado.
ResponderEliminarAfinal Paulo, há momentos gratificantes no dia a dia de um professor; é pena é serem poucos.
ResponderEliminarAbraço.
Paulinho, acho que o teu gesto ia comover qualquer pessoa que fosse minimamente sensível (até um adolescente, LOL)...a mim deixaste-me comovida só com o teu relato aqui...
ResponderEliminarÉ muito bom que haja profs que ainda se dêm ao trabalho de fazer coisas destas nas suas aulas. Acredita que a maioria não se daria ao trabalho.
GRD BEIJO MIJEI